AF-ANTONIO MARCOS 3-box2 encarte paginado.inddAntônio Marcos Pensamento da Silva é dono de uma das histórias mais trágicas da música popular brasileira. Filho de uma família pobre e numerosa, o paulistano fez muitos bicos até encontrar o sucesso na vida artística. A cara de homem mal ajudou a construir a fama do galã vaidoso explorada em novelas, filmes e peças de teatro. Na música, era um hitmaker romântico de cores fortes, paixões arrebatadoras e sentimentos transbordantes. Numa época em que a Jovem Guarda começava a mostrar seu cansaço, Antônio Marcos se alinhou aos últimos suspiros do estilo jovem e chamou atenção pelo estilo passional de interpretar canções de amor – principalmente os que chegavam ao fim. O resultado dessa combinação de elementos: muitos sucessos ao longo da década de 1970, fama, dinheiro e uma proximidade com a maior estrela da música brasileira de todos os tempos, Roberto Carlos.

Outro resultado da ascensão social de Antonio Marcos foi um mergulho cada vez mais profundo no alcoolismo. A doença tornou-se uma marca tão forte de sua trajetória quanto a beleza de composições como Como vai você e Eu não vou mais deixar você tão só. Além do vício, a fama de difícil, teimoso e rebelde foi afastando o compositor dos amigos à medida que mais doses iam sendo consumidas. Em 2015, quando completaria 70 anos (em 8 de novembro), Antônio Marcos seria mais um dos muitos ídolos esquecidos do Brasil, não fosse por um trabalho digno de todas as palmas da gravadora Discobertas.

O trabalho consiste na edição de CD de boa parte da discografia original do paulistano. O resgate inédito compreende oito discos de carreira, todos acrescidos de faixas bônus raríssimas, divididos em duas caixas. No volume 1 estão os álbuns Antonio Marcos (1969), Antonio Marcos (1970), 08-11-1945 (1971) e Sempre (1972). Já o volume 2 traz Antonio Marcos (1973), Cicatrizes (1974), Ele… Antonio Marcos (1975) e Felicidade (1976). De fora, ficaram cinco discos lançados entre 1978 e 1988, época de queda do artista cada vez mais entregue aos próprios dramas pessoais.

Dono de uma interpretação visceral e dramática, Antônio Marcos era o cantor ideal para seu repertório. A força que colocava em suas canções ganhavam contornos ainda mais pungentes em seu canto pesaroso. Um exemplo é valsa rock Perdi você, de 1969, onde o pai da atriz Paloma Duarte alcança notas agudas que penetram fundo no ouvinte. Como ele se alinhou a uma já combalida Jovem Guarda, parte do repertório nasceu com cheiro de passado. Nem mesmo os flertes com a black music tiraram do artista a pecha de antiquado e brega. Muitos arranjos soam datados e ganhariam fácil o rótulo preconceituoso e limitado de brega. No entanto, ouvindo com mais atenção, é possível verter rios de lágrimas com uma joia escondida do quilate de Quando o amor muda de casa.

Numa época em que Roberto Carlos – que fez história com Como vai você, de Antonio e Mário Marcos – e outras figuras da Jovem Guarda já estavam em outra, Antonio Marcos se mantinha fiel ao estilo romântico trágico que o lançou ao estrelato. Com a chegada da década de 1980, seu nome foi ficando cada vez mais esquecido, os shows rareando e a dependência alcoólica se tornando mais severa. Ele morreu em 5 de abril de 1992, vítima de insuficiência hepática e com a carreira parada. Que esses relançamentos tragam seu nome de volta à tona e relembrem um repertório precioso, que não perdeu a validade.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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