Idealizado pelo compositor carioca, o Banquete dos mendigos nasceu na base do “jeitinho brasileiro” e acabou tornando-se um dos apócrifos da música nacional de protesto. Depois de brigar com a Phonogram, por onde tinha lançado o disco de estreia em 1972, Jards vivia tempos de dificuldades financeiras. Inspirado nos eventos beneficentes que estavam em moda, ele pensou em criar um em benefício próprio e foi falar com Cosme Alves Neto, diretor da cinemateca do MAM, para tentar usar o museu como palco para seu show. Além do “sim” como resposta, o amigo sugeriu que Macalé usasse a exposição sobre os 25 anos da carta da Declaração Universal dos Direitos Humanos como mote para o espetáculo.
O que deveria ser uma apresentação em benefício próprio, tornou-se um megaevento de desobediência civil. Naquele início de anos 1970, falar em direitos humanos era algo perigoso. Com a censura estabelecida e prisões cheias de manifestantes contrários ao regime militar, destacar publicamente um documento que prega que “ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante” e “ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado” seria correr um enorme risco. Ainda assim, a proposta er que as apresentações fossem intercaladas pela leitura do documento que completava 25 anos.
Parte das gravações foi registrada no LP duplo feito em 1974, mas logo impedido de ir às lojas. O principal motivo da censura foi Chico Buarque que protagoniza um dos momentos mais tensos do Banquete, ao dividir com o MPB-4 os versos fortes de Pesadelo (“Você me prende vivo, eu escapo morto”). O disco só foi liberado em 1979, quando acabou gerando outra polêmica. Quando a ditadura já falava em anistia, Jards Macalé levou uma cópia do Banquete para o chefe da casa civil Golbery do Couto e Silva, de quem recebeu de volta um autógrafo no livro Geopolítica brasileira. A troca de mimos foi mal vista por artistas e intelectuais, que logo carimbaram Macalé como adesista. Vivendo uma época de reinvenção política, artística e intelectual, o compositor chegou a comentar o assunto, mas nada de pedir desculpas ou negar posturas. Fiel à própria história como poucos, ele seguiu seu caminho até a próxima reinvenção.
O que estavam fazendo os convidados do banquete em 1973: