Fotos: Chico Alencar

Fotos: Chico Alencar

O POVO – Segundo o seu site, já são cinco Grammy Latino, dois da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), nove Prêmios da Música Brasileira…

Lenine – E tu acha pouco? (risos)

O POVO – Não, mas queria saber o que isso representa?

Lenine – O trabalho coletivo. O prêmio só é bom quando a gente ganha. E só é bom mesmo pra gente dividir com quem apostou no fazer. Cada um desses prêmios corrobora o meu caminho, as parcerias e a minha turma.

O POVO – Que leitura você faz do Brasil de hoje, cultural e politicamente?

Lenine – A política é um nojo. Um nojo. Ainda mais agora com a possibilidade que a gente teve de conhecer um pouco mais a Câmara, o baixo clero, o Senado, e ver o quão é rasteiro, o quão aquilo está tomado. Estou generalizando, mas a sensação é horrível, desesperadora por que eu tenho medo de um “foda-se” que possa rolar ou que possa estar rolando há muito tempo no Brasil. E as pessoas se individualizando cada vez mais e gerando um foda-se geral. A “Lei do Gérson” cada vez mais presente e o resto que se foda. Eu não posso acreditar nisso como um futuro possível, cara! E isso passa pelo quê? Pela educação. A gente está vendo aí 16 anos de perpetuação. Os caras falaram, falaram, falaram. Agora, Mujica (presidente do Uruguai) no livro dele dizendo que (o ex-presidente) Lula disse “pra governar você tem que comprar todo mundo” (imitando a voz de Lula) e isso passa impune (Mujica, depois, negou as declaração que estaria em seu livro). São 16 anos, velho! E a base de qualquer civilização é educação. Nesses 16 anos, você viu algum movimento para mudar a educação? Não. A educação exige muito investimento e a resposta disso vem depois. É a próxima geração que vai ter. Mas não tem ninguém fazendo, é tudo imediatista. Eu, realmente, tenho nojo quando abro um jornal diário. Me dá ânsias de vômito a impunidade nesse país.

O POVO – E culturalmente?

Lenine – Culturalmente a gente nunca andou tão bem. Nunca se produziu tanto, a revelia e a reboque dessa elite tacanha. Nunca se ouviu tanta música e agora eu to puxando a sardinha pra minha praia. Isso é bacana.

O POVO – Mesmo tendo acabado de lançar um novo disco, para onde sua música está apontando agora?

Lenine – (depois de um tempo pensando) Rapaz, não sei muito não. Até por que são tiros diferentes, miras diferentes. No Carbono é um mergulho, no palco é outro. Agora que eu to começando no palco e tudo leva a crer que eu vou passar uns três anos de estrada, rodando o planeta. Acho que ele tem um futuro promissor.

Pergunta do Leitor

Caio Castelo, cantor e compositor – Alguns integrantes da sala banda, como o Pantico e o Tostoi, têm desenvolvido trabalhos com artistas de Fortaleza. Você consegue acompanhar a cena de música?

Lenine – Eu acompanho a cena de música ponto. Aliás, ponto não, reticências. Vários pontos seguidos por que gosto disso. Como eu tenho três filhos com idades diferentes, eles são também antenas poderosas que me informam de nichos diferentes. Um tem sete (anos), outro 36 e outro 27, tudo é assim distante, os nichos são diferentes e eu fico ouvindo coisas diferentes. Acho que o Carbono é revelador. Tom o Posada, o João Cavalcanti… Eu to sempre atento, cara. Não só da cena aqui do Ceará, mas do Brasil de uma maneira geral que fala a minha língua, que canta como eu canto. É verdade também que me sobra muito pouco tempo para ouvir e tem uma pilha em débito sempre. E os amigos furam a fila. É lógico. Então, já aconteceu de eu ligar pra um compositor que me mandou o disco e deixou número de telefone. “Fulano, acabei de ouvir teu disco. É lindo, bacana”. “Que disco?”. “O que tu me mandou”. “Pô, já lancei outro”. Mas eu fui honesto com a história. Geralmente, eu ouço no carro. Uma vez por semana, eu levo ali oito discos e ouço. E os parceiros municiam, por que ainda sou daquela época que, quando ouço uma coisa muito bacana, fico no frisson para ligar para os amigos, de ter sido o primeiro a apresentar. É uma coisa ingênua talvez, mas a gente vive disso. De pequenos sentimentos.

Notinhas:

> Em 2011, a história da casa 9, onde Lenine morou em Botafogo, foi tema do documentário dirigido por Luis Carlos Lacerda. Palcos de encontros memoráveis durante os anos 1970, a residência ainda abriga jovens artistas que chegam à Cidade Maravilhosa.

> Enquanto esperava a câmera ficar pronta para o vídeo dessa entrevista, Lenine falou sobre sua admiração por Jorge Ben. “Realmente, eu acho que o nosso Bob Marley é Jorge Ben. Acho que, se esse cara não fosse tão maluco, era pra ser um Bob Marley. Por que, quem formatou uma maneira de tocar que a gente de olho fechado, se o cara começa a tocar (começa a cantarolar a levada de Umbabarauma)… Mermão! O cara inventou uma levada! É sério. Aí, quando eu ouço Buchecha cantado “sabe tchururu (Conquista)” eu vejo Jorge Ben. Eu juro! Quando eu vejo Milton Nascimento, eu vejo Jorge Ben”.

> Lenine sobre a Nação Zumbi: “É uma das formatações de música contemporânea mais interessantes que o Brasil produziu”.

> A entrevista aconteceu no camarim do Centro Dragão do Mar, onde, no mesmo dia à noite, Lenine apresentaria o show Carbono na Praça Verde.

> Marcada a entrevista para as 16h, Lenine chegou pontualmente ao local combinado. Segundo a produtora, essa é a prática do músico.

> De bermuda e camiseta, Lenine conversou pouco mais de uma hora com O POVO. Sem pressa por conta da agenda do dia, ele brincou e ria o tempo todo. Também não se furtava o direito de interromper a pergunta quando julgava necessário.

> Lenine foi acompanhado durante a entrevista pelo produtor KK Mamoni, que também é membro do Procures Saber. Na pergunta sobre as biografias, ambos se colocaram sobre o assunto.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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