Célia - Foto Jair de Assis 2015  (2)Divas da música nacional para uns e completas desconhecidas para outros, Cida Moreira e Célia guardam semelhanças e diferenças em suas trajetórias. Paulistanas de nascença, ambas são cantoras, pianistas e pertencem a um grupo seleto de cantoras brasileiras que, apesar de acumularem juntas mais de 80 anos de carreira, nunca gozaram de grande popularidade. Agora ambas estão com discos novos na praça e mais uma coincidência se apresenta: para ambos, a relação com o tempo é fundamental.

Aquilo que a gente diz é o 15º álbum de Célia Regina Cruz. Dona de um grave macio e encorpado, esta cantora de 68 anos aceitou o convite do produtor Thiago Marques Luiz para colocar voz em um repertório que vai de Otto a Ivan Lins. “Ele me ligou e disse: ‘vamos fazer um CD?’. Eu respondi: ‘Vamos’. Simples assim”, resume, por telefone, a cantora que concordou com a ideia de misturar épocas da música brasileira em canções inéditas e outras que gostava de cantar.

capa celia.idmlSucessor de Outros românticos, feito com músicas famosas na voz de Roberto Carlos, Aquilo que a gente diz reafirma a facilidade que Célia tem de se apropriar das canções que traz para si. E isso pode ser a apocalíptica Eu sou aquele que disse ou o desabafo Não existe amor em SP, de Criolo. “Sou apaixonada pelo Criolo. Adoro aquele neguinho”, confessa a artista que ainda recebeu faixas inéditas de Joyce (Entre amigos), Zeca Baleiro (Deus dará) para se reunir com regravações de Tom Zé (Se o caso é chorar), Skank (Dois rios) e outras.

Para essa mistura de rocks, raps, baladas e sambas, Célia adota um mesmo tratamento de piano, violão, baixo e um mínimo de bateria. Sobre essa cama, uma voz sedutora, encorpada e madura que faz o repertório como um todo parecer fruto de uma mesma época. “Não sou aquela cantora de fazer muita firula. Não sou chegada a muitos agudos, nem olimpíadas vocais. Sabe a linha Mariah Carey? Sou mais a linha Ella Fitzgerald”, confessa.

Soledade

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Cida Moreira também é dona de uma voz bem particular, que ganha ainda mais personalidade no molho teatral que ela dá às próprias interpretações. Assim é Soledade, 11º disco de uma história que começou em 1981, com o visceral Summertime, solo de piano e voz gravado no teatro Lira Paulistana. O disco produzido pela gravadora Joia Moderna, do DJ Zé Pedro, nasceu de um conceito bem simples: ela queria que o disco começasse com Viola Quebrada, composta por Mário de Andrade nos anos 1920, e terminasse com O Pulso, lançada pelos Titãs em 1986. Nesse meio, há um Brasil que se transformou ao longo dos anos.

850xN“Comecei a pensar há mais de um ano. É um disco sobre o Brasil, mas um Brasil de dentro de mim, uma cidadã, uma artista, uma mulher brasileira”, explica Cida, sem querer se estender sobre o assunto. Ainda assim, ela acrescenta que O Pulso resume uma ideia de Soledade: “Depois que você mostra coisas que não existem mais, estão fora de moda, você mostra que o pulso ainda pulsa”.

Essas “coisas fora de moda” ela viu durante as filmagens de Deserto, numa pequena cidade do sertão paraibano chamada Soledade. Sem indústria, sem a correria dos grandes centros, com um comércio pobre, ela viu um Brasil em extinção. “Nós temos um país que se extinguiu. Há expectativa de que muita coisa volte a acontecer. Mas, está vindo aí um mundo mais superficial, falsamente progressivo”, define Cida que saiu pescando canções da memória que retratassem esse sentimento. Assim vieram Bom Dia (Gilberto Gil/ Nana Caymmi), Moreninha (DP), Outra cena (Taiguara), Forasteiro (Thiago Pethit/ Hélio Flanders) e outras.

Meio trágico e operístico, Soledade tem o mesmo perfil conceitual presente em toda a discografia de Cida Moreira. Entre tributos a Chico Buarque e Cartola, passeios pelos ritmos brasileiros (Uma canção pelo ar…) e outras propostas, agora ela homenageia o Brasil a partir das próprias memórias. O resultado é um disco cáustico, severo e de poucos sorrisos, mas que deixa claro que o pulso ainda pulsa.

Serviço:
Célia – Aquilo que a gente diz
10 faixas
Nova estação
Preço médio: R$ 29,90

Cida Moreira – Soledade
15 faixas
Joia Moderna
Preço médio: R$ 25,90

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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