Nos anos 1960 e 70, a proposta do rock nacional era experimentar e se aproximar da MPB numa fusão quase perfeita, que não saía do underground. Nos 1980, a turma das guitarras alcançou o mainstream e tocou à exaustão hits que poderiam ser divididos em quatro ou cinco fórmulas. Nos 1990, o volume de fórmulas se expandiu, ficou mais brasileiro e tornou-se comum tratar o estilo como “pop rock”, heresia para uns, mas um facilitador na hora de categorizar nomes Pato Fu, Los Hermanos ou O Rappa.

Em meio àquele turbilhão de ecletismo, a Nação Zumbi precisou de um nome muito particular para “explicar” o som que fazia junto com outras bandas de Recife. Esse som ficou conhecido como manguebeat, uma mistura de maracatu com rock, metal, funk, samba e muita percussão. Mais que a mistura pela mistura, esse som tinha personalidade própria e, 20 anos depois, mesmo com as mudanças naturais do tempo, se mantém vivo. É essa pulsação do manguebeat o grande destaque de Radiola NZ Vol.1.

O nono disco da Nação em 23 anos de carreira fonográfica é o segundo trabalho em que trabalham como intérpretes. O primeiro foi Mundo livre S/A vs. Nação Zumbi (2013), projeto de curta duração da Deck Discos que convidava duas bandas para trocarem seus repertórios. Fora isso, o núcleo duro da banda – Jorge Du Peixe (voz), Lúcio Maia (guitarra), Dengue (baixo) e Pupillo (bateria) – mantém em paralelo o projeto Los Sebozos Postizos, somente com canções de Jorge Ben. Em Radiola NZ, esse espectro cresce e ganha outros significados. São nove faixas que o quinteto pernambucano preenche com sua personalidade sonora – canções que passam por clássicos do soul, MPB e rock gringo.

O passeio que Radiola NZ faz pela música pop tem justas homenagens, redescobertas recentes e escolhas surpreendentes. Em todas, a força da pancada dos tambores da Nação crispada pela guitarra furiosa de Lúcio Maia. É esse peso que rejuvenesce Amor, faixa do antológico disco de estreia do Secos & Molhados. Com a participação de Ney Matogrosso nos vocais, a faixa foi lançada como single e até ajudou a reunir a banda pernambucana com o cantor sul-mato-grossense num show do último Rock In Rio.

Outro single de Radiola NZ é Refazenda, ponto alto da obra de Gilberto Gil. O baiano já é próximo da Nação Zumbi há bastante tempo, tendo inclusive participado do disco Afrociberdelia (1996) e dividido o palco com Chico Science (1966 – 1997) algumas vezes. Para essa justa homenagem (gravada em Fortaleza, a propósito), o maestro Lettieres Leite foi convidado para escrever o arranjo de sopros – executado pela sua orquestra Rumpilezz – que costura um sem número de influências nordestinas.

Entre as regravações menos surpreendentes estão Não Há Dinheiro que Pague e Dois Animais na Selva Suja da Rua. A primeira, de Renato Barros e popularizada por Roberto Carlos, já teve inúmeras gravações e tornou-se obrigatória nas muitas homenagens ao Rei. Ela faz lembrar a versão que a Nação fez para Todos Estão Surdos (1994), mas o arranjo indie minimalista não garante o mesmo impacto. A segunda, de Taiguara, ganhou no fôlego com a recente redescoberta do álbum Carlos, Erasmo (1971). Com a voz reta de Jorge Du Peixe e um instrumental comportado, a versão deixa a desejar entre outras melhores lustradas.

A Nação Zumbi: Lúcio Maia, Pupillo, Toca Ogan, Jorge Du Peixe e Dengue (Foto: Dovilé Babraviciuté/ Divulgação)

É entre essas que se coloca Balanço, faixa desconhecida do quarto álbum de Tim Maia (1973). O que era funk vira uma embolada cheia de ritmo, recortada pela motosserra guitarrística de Lúcio Maia. Outra boa sacada é Do Nothing, da banda reggae/ ska inglesa The Specials. O arranjo oitentista coloca Du Peixe pra cantar com uma doçura nunca vista. Essa mesma doçura vira mansidão lisérgica em Tomorrow Never Knows, um dos grandes momentos dos Beatles que aqui ganha uma versão à altura do original com o baixo pulsante de Dengue e Lúcio Maia se desdobrando em timbres.

No entanto, a grande surpresa de Radiola NZ é Sexual Healing, último grande sucesso do mestre do soul Marvin Gaye (1939 – 1984). Ode ao sexo e ao prazer, a faixa é regravada com uma leveza capaz de confundir o ouvinte: é mesmo a Nação Zumbi tocando? É, tocando e descobrindo novos lugares para sua música. O mesmo acontece em Ashes to Ashes, clássico de David Bowie que traz os pernambucanos cercados por um rock mais quadrado, radiofônico e não menos saboroso.

Radiola NZ Vol. 1 faz uma homenagem às muitas canções que influenciaram os membros da Nação Zumbi e também traz um pouco da história de Jorge Du Peixe, que gostava de gravar fitas com suas músicas preferidas. Nesse novo disco, eles pegam essas canções que os acompanham desde a adolescência e lançam um olhar manguebeat, que soa pop e acessível como poucas vezes visto na carreira da banda. O “Vol. 1” já indica a possibilidade de uma continuidade e faz acreditar que eles gostaram de mexer nessas memórias.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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