O timbre é de um grave profundo, que mergulha num poço onde se jogam tristezas de amores sofridos. No minuto seguinte, esse timbre pode subir, ganhar asas e atingir o céu. “Pra que chorar se existe amor?”, pergunta ela que também abraça o tom de quem defende a tradição e pede: “Não deixe o samba morrer”. E se foi ao ritmo do pandeiro que Alcione Dias Nazareth se fez conhecer no Brasil, seu samba vai além e ganha scats jazzísticos e acento soul.

O fato é que, bem antes de descobrir o samba, a jovem vinda de São Luis do Maranhão para o Rio de Janeiro, tinha os clubes de jazz e big bands como emprego. No lendário Beco das Garrafas, aprendeu o refino da bossa e do sambajazz. Depois que Clara Nunes quebrou a barreira das 100 mil cópias com o disco disco, Roberto Menescal, então diretor artístico da Polygram, resolveu apostar naquela contralto de pele morena e interpretação dramática. Um parêntese para agradecer Jair Rodrigues, o responsável por apresentar aquela jovem cantora estreante para Roberto, já um dos maiores nomes da música brasileira.

Não tardou para que Alcione ganhasse o público com sua simpatia e apelo popular. Desde a estreia em 1975, com A Voz do Samba, ela passeou por um repertório que foi do ritmo contagiante de um samba cheio de sofisticação até canções de forte apelo popular, dando voz às dores de amores universais. Mas é voltando aos anos 1970 que está o fino do repertório da Marrom. Foi lá, mais precisamente em 1977, que foi lançado seu terceiro rebento, Pra Que Chorar… Cheio de sotaques que palmilham muitos chãos do Brasil, o álbum capta uma Alcione de voz límpida, cheia de manejo, malandragem e vigor. Sucesso de médio porte na época, Ilha de Maré visita a Bahia, numa batucada feliz, enquanto Recusa se embrenha nos dramas de alcova e fala de uma mulher em busca de ser vista por seu amor. Essa mesma mulher dá um grito de liberdade em Correntes de Barbante e mostra que merece respeito. Ela ameaça até abandonar o morro em busca de algo melhor que o desprezo (Eu Vou Deixar).

Das tristezas compartilhadas a dois, ela respira e pergunta: Pra que chorar? Um sol renasce na voz de Alcione que dá sua receita para ver o mundo de outra forma, mais colorida. Para isso conta com a ajuda de Baden Powell, Vinicius de Moraes e da dupla Tom e Dito. E essa alegria também está registrada em Pedra Que Não Cria Limo, um samba de máxima inspiração. Ainda em Pra Que Chorar, Alcione espana as lembranças para voltar à sua São Luis em Solo de Piston. Cantora desde muito cedo, foi com o pai, mestre da orquestra da banda da Polícia Militar e um “músico dedicado”, que ela aprendeu as primeiras noções de música. E foi a partir daí que a morena de rosto redondo deu os primeiros passos para se tornar uma das grandes estrelas da música brasileira.

Veja as faixas de Pra Que Chorar… (1977):
1. Ilha da Maré (Walmir Lima/ Lupa)
2. Pedra que não cria limo (Nilton Alecrim/ Vevé Calazans)
3. Recusa (Paulo Debétio/ Paulinho Rezende)
4. Pandeiro é meu nome (Chico da Silva/ Venâncio)
5. Solo de pistom (Totonho/ Paulinho Rezende)
6. Pra que chorar (Baden Powell/ Vinicius de Moraes)
7. Não chore não (Dito/ Tom)
8. Eu vou deixar (Roberto Correia/ Sylvio Son)
9. Feira do rolo (Ederaldo Gentil)
10. Correntes de barbante (Totonho/ Paulinho Rezende)
11. Tambor de crioula (Oberdan/ Júnior/ Oliveira)

>> Pandeiro é meu nome (Chico da Silva/ Venâncio) por Carlus Campos

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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