Quase uma década depois, Aline Calixto decidiu quebrar esse ciclo de ziriguiduns e telecotecos. Serpente (Lab 344), dirigido por Domenico Lancellotti, é um disco de climas quentes, espaços em branco, timbres elétricos e detalhes. Seguindo uma estética meio “banda Cê”, ela se cercou de um grupo de trabalho – Domenico na bateria e percussões, Pedro Sá na Guitarra e Cristina Braga na harpa – e montou um repertório autoral dividido com parceiros como Edu Krieger, Dea Trancoso e Gabriel Moura.
Mesmo longe da tradição, Aline não se afasta por completo do samba. Sentimento Errado, parceria com Moacyr Luz, por exemplo, é um samba canção com toda a nostalgia que o gênero merece. Nem tão moderninho quanto Bárbara Eugênia, nem tão pesado quanto Maysa – embora esta talvez fosse gostar do clima nublado do álbum. Isso por que Serpente é disco feito a base de despedidas, recados bem mandados e tristeza bem medida.
Colapso, por exemplo, começa com tambores marcando o ritmo, mas logo guitarra e harpa surgem para deixar claro que a sonoridade é outra. A faixa título segue na toada, lenta, cadente, deixando a voz profunda de Aline brilhar como guia. É possível sentir o nó na garganta dela dizendo: “não quero mais quem cria tribunais, que julgam o que falo, penso e faço”.
Aliviando a barra, Revival é um pop com cara de anos 1980, que lembra muito Marina Lima. Da letra ao ritmo praiano, a parceria com Gabriel Moura pode ser um bom chamariz para as rádios. No oposto, O tiro pretende ser dramática, mas se perde em rimas pobres. Um bicho estranho dentro do repertório é Sentir, uma balada roqueira que tenta pesar a mão, mas fica presa a uma cantora com medo de errar.
Entre erros e acertos naturais, Serpente não deixa de ser um passo corajoso na obra de Aline Calixto, mas deve ser visto em perspectiva. Se o samba dos primeiros discos sempre cativam um público fiel ao estilo, o som rock-samba-indie-tropicalista também tem muitos adeptos e vem criando suas próprias fórmulas. Levando isso em conta, bem guiada pela experiência de Domenico, Aline fez um disco que, longe de qualquer unanimidade, merece ser entendido, ouvido com atenção e desbravado a partir dos detalhes.