Em julho de 2015, estava na sede do Jornal O POVO, quando fui surpreendido com uma visita pra lá de inusitada. Edy Star estava na portaria procurando por mim. Figura relevante do underground desde os anos 1970, o cantor estava ali pra falar sobre o show em homenagem a Raul Seixas, que faria logo mais no Dragão do Mar. Ele lembrou de mim por conta de uma conversa por telefone, de 2012, feita por conta da reedição do seu disco de estreia.

Sem agenda, pressa ou filtro, Edy conversou por mais de uma hora sobre uma infinidade de assuntos. Raul Seixas, Ordem Kavernista, fãs, idade e um disco que estava, há tempos, sendo gravado. Na ocasião, ele até adiantou que o tal disco, idealizado, incentivado e produzido por Zeca Baleiro, já não lhe despertava tanto interesse. Não era pouco caso com a atenção do maranhense, mas é que Edy Star são muitos dentro de um só. Logo, quando um quer muito, o outro já não está mais afim por que já está dois passos adiante.

Para entender esse desdém, é preciso colocar quem é Edy Star e o que foi seu disco …Sweet Edy… Encarnação da cena glitter nacional, o baiano Edivaldo Araújo Souza é um escândalo em pessoa. Ator, cantor, artista plástico, apresentador e sobrevivente profissional, ele não precisou frequentar academia ou estudar artes para se tornar uma das figuras mais interessantes naqueles anos 1970 cheios de ideias e proibições pré-assinadas. Assumidamente gay, ele não precisava levantar bandeira para defender nenhuma causa. Sua existência já era essa bandeira hasteada.

E foi essa força pessoal que ele imprimiu em …Sweet Edy…, lançado em 1974 reunindo composições inéditas de gigantes da MPB. Depois de alguns compactos e de participar do anárquico Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10, disco dividido com os “malditos” Sérgio Sampaio, Miriam Batucada e Raul Seixas, ele vinha chamando atenção no Rio de Janeiro por conta de um espetáculo que apresentava na Cinelândia, onde, entre outras coisas, imitava Maria Alcina. E foi ela mesma quem levou o empresário para assistir Edy, que acabou convidado para gravar esse primeiro disco.

O repertório escolhido para …Sweet Edy… é de um luxo incomum, até mesmo para sua época. Os compositores mais importantes do momento cederam canções inéditas para aquele experiente estreante. Leno, Caetano Veloso, Jorge Mautner, Moraes Moreira foram alguns dos que passaram pela censura – Luiz Melodia, Gonzaguinha, Zé Rodrix não tiveram a mesma sorte. Até mesmo Roberto e Erasmo presentearam Edy com o rock escrachado Claustrofobia. “Bicho, eu parei na de Edy Star“, confessa Roberto em depoimento impresso no encarte original. Teve ainda Gilberto Gil, que resolveu descrever o conterrâneo na homenagem Edyth Cooper. “Asinhas de anjo barroco, Bochechas de anjo barroco, nádegas de anjo barroco”.

“Tem um grande caminho a percorrer e estou certo que não lhe falta vocação, seriedade e talento para percorrê-lo. Guardem seu nome, não tardará que seja repetido e consagrado”, anunciou Jorge Amado no mesmo encarte. Embora sábio, o mestre baiano estava enganado. Edy Star era muito ousado para uma época que buscava liberdade entre as frestas da ditadura. A jovem estrela seguiu nos pequenos teatros, tomou muita dura da polícia, se virou como pode, depois foi para a Europa, onde morou por décadas trabalhando como apresentador de shows em um cabaré espanhol.

O retorno ao Brasil só veio por volta de 2009, quando foi convidado para interpretar o álbum da Sociedade Kavernista na Virada Paulista. Numa época em que os jovens estavam garimpando discos raros da década de 1970, ao mesmo tempo que Raul Seixas continuava cultuado, Edy Star teve seu nome resgatado e valorizado entre uma turma antenada. …Sweet Edy… então cumpriu e foi colocado no lugar devido. Como o prórpio Edy gosta de lembrar, muitos artistas gravaram dezenas de discos para se firmar. Ele precisou de um para virar cult.

Veja as faixas …Sweet Edy… (1974):

1. Claustrofobia (Roberto Carlos/ Erasmo Carlos)
2. Edith Cooper (Gilberto Gil)
3. O Conteúdo (Caetano Veloso)
4. Superestrela (Leno)
5. Esses Moços (Lupicínio Rodrigues)
6. Boogie Woogie do Rato (Denis Brean)
7. Sweet Edy (Renato Piau/ Sérgio Natureza)
8. Briguei Com Ela (Edy Star)
9. Olhos de Raposa (Jorge Mautner)
10. Coração Embalsamado (Getúlio Cortes)
11. Para o Que Der na Telha (Moraes Moreira/ Galvão)
12. Bem Entendido (Renato Piau/ Sérgio Natureza)
13. Eu Sou Edy Star (Edy Star)

>> Olhos de Raposa (Jorge Mautner) por Carlus Campos

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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