Passados 19 anos, Cainã Cavalcante ainda compartilha sua primeira de jornal como material de divulgação. “Anotem bem: dentro de mais alguns poucos anos, Cainan Cavalcante estará sendo requisitado para shows com os melhores artistas de nossa música, participará da gravação de muitos CDs – e claro, gravará o seu – e, tomara, tenha seu talento e sua sensibilidade aplaudidos além fronteiras”, diz o texto escrito quando o violonista cearense tinha apenas 9 anos. Reconhecido como uma virtuose precoce do instrumento, ele dedicou dois terços da vida à música e conseguiu tornar verdade tudo que foi alertado naquele início. Só mudou esse caminho na forma que assina o próprio nome.

Hoje, com 28 anos e uma carreira de respeito, ele se dedica a surpreender outros mestres da música instrumental (como Nelson Faria, que se desmanchou em elogios no programa Um Café Lá Em Casa, transmitido pelo Youtube) e a abrir novos veios para a própria arte. É isso que ele busca no disco que chegou ao mercado no final de setembro. Depois de três álbuns onde dividiu espaço com um número generoso de parceiros, Corrente traz nove composições assinadas, arranjadas e executadas somente por Cainã. Como ele mesmo define, é sem maquiagem nenhuma.

“Esse é o momento em que me senti à vontade pra mostrar como sinto a música, como entendo o instrumento. O disco apresenta isso de uma forma muito honesta, simples e direta. Tenho um carinho especial por todos, mas esse me leva pra um lugar muito especial”, avalia o músico que registrou tudo em três dias, no Rio de Janeiro, com direção da violonista francesa Elodie Bouny. “Antes de entrar em estúdio, pensei em chamar pessoas pra gravarem comigo. Mas ela me sugeriu que seria o momento de fazer sozinho”, lembra o músico que venceu qualquer medo pra aceitar o desafio. “Claro que gera um certo pé atrás. Nesse momento em que estou convivendo com pessoas que são meus ídolos, isso gera uma expectativa. E seria bom ter um super convidado, pra dar uma endossada. Mas eu toco desse jeito, tenho essa personalidade musical. Tenho muita vontade de mostrar minhas músicas e certeza nessa missão”.

Morando em São Paulo desde o início deste ano, Cainã vem fortificando um trabalho que construiu ao lado de músicos como Arismar do Espírito Santo, Fagner, Elba Ramalho, Yamandu Costa e Zé Paulo Becker (Trio Madeira Brasil). Com este último, o cearense gravou o disco Parceria e andou por muitos lugares no Rio de Janeiro. “O Rio me influencia porque, quando eu chego lá e caio nas rodas de violão, me deparo com um repertório que não conhecia, que é o do violão solo. E todo mundo com um conhecimento muito firme sobre o violão brasileiro”, explica Cainã que também trabalha bastante com guitarra. “Ela apareceu na adolescência como uma possibilidade de trabalhar mais. De fato eu me apaixonei pela guitarra e atuo muito com ela”, comenta ele que já se aventura até no baixo. “Mas violão é o instrumento que eu pego quando acordo. O jeito que eu toco, como eu entendo o violão e a música, eu vou para um lado diferente do que vão outras pessoas. Isso já me insere em outro lugar. É o violão, mas é de outro jeito”.

E é esse “outro jeito” que aparece com destaque em Corrente. O álbum começou a ser gestado há dois anos. Antes de virar disco, Cainã fez uma turnê apresentando esse repertório e misturando com interpretações bem particulares para alguns orgulhos nacionais, como Carinhoso de Pixinguinha. Essa turnê rodou Brasil e Europa, e serviu pra lapidar as ideias. “Essas nove foram músicas que compus especialmente para o violão solo. Cada faixa é uma homenagem a alguém. Aquelas pessoas que foram importantes pra mim. Vento sul tem um vigor gaúcho e eu fiz para o Yamandu. A Vida no Sertão é uma homenagem ao Patativa do Assaré, que é meu padrinho de batismo. PoiZé tem o universo do choro, eu fiz por Zé Paulo. O fato é que a vida vai andando e hoje já tem outras composições, que vão ser gravadas logo em breve”, adianta ele que já tem outro projeto caminhando, com uma formação diferente e convidados especiais. Também está nos planos outros dois discos em parceria: um com o pianista Thiago Almeida, com quem formou o DuoElo, e outro com o acordeonista Adelson Viana, em homenagem a Dominguinhos (1941 – 2013).

Sim, por que o trabalho primordialmente solo em Corrente, não tirou de Cainã Cavalcante o desejo do encontro. “Adorei trabalhar com financiamento coletivo porque sempre me atraí pela possibilidade de me conectar com outras pessoas. (O crowdfunding) me aproximou de um público que conhece o meu trabalho. O bem feitor se sente íntimo do processo. Pra nossa alegria, ultrapassamos a meta e pude alcançar um público diferente que hoje é cativo nos concertos. Dá uma trabalheira, mas vale a pena”. Esse pensamento confirma outra frase tirada daquela primeira matéria, feita quando Cainã tinha 9 anos, e endossada no encontro com Nelson Faria: a de que o cearense acompanha qualquer um com uma habilidade ímpar. “Na verdade eu acredito muito que tocar junto é muito mais do que estar no mesmo palco. É ter disposição pra ouvir o outro”. E continua “uma das coisas que mais me cativa é poder compartilhar um momento junto. No dia a dia está tão difícil ouvir o outro, é uma coisa tão polarizada que se sente na necessidade de acolher o outro pra imprimir a minha opinião. Eu tenho um respeito muito grande pra ouvir, tocar junto, esperar o momento de fazer um comentário. É uma característica que eu tenho de ter respeito. E é uma coisa que eu não percebo”.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles