Fotos: Maria Clara Medeiros

Quem esperava muitos “ele não” na noite do último sábado deve ter saído decepcionado do Centro de Eventos. Na segunda passagem da turnê Ofertório por Fortaleza, a maior parte dos comentários políticos foi feita pelo público que não se furtou o direito de usar bandeiras, adesivos e puxar palavras de ordem. Já sobre o palco, Caetano Veloso e seus filhos contaram histórias que saíram de Santo Amaro da Purificação e ganharam o mundo. Ainda assim, na hora do bis, sozinho no palco, Moreno puxou o assunto com um “primeiramente, ele não” e se disse do orgulho de ter antepassados cearenses.

O tom de Ofertório era outro. Caetano e seus filhos Zeca, Tom e Moreno falaram de muitos brasis, de família, de respeito, da Bahia, do Rio de Janeiro, do mundo todo. Logo na abertura, Alegria Alegria transportou o público – que encheu o espaço sem aperto – para o fim dos anos 1960, tempos de ditadura e tropicalismo, de festivais de música, luta por democracia, contracultura e sol nas bancas de revista. Seguindo o roteiro que já foi registrado em CD e DVD, a canção foi a largada para uma grande viagem entre muitas memórias.

Em entrevista ao O POVO, Caetano Veloso contou que chegou a cogitar a presença de músicos profissionais em Ofertório. No fim, a ideia foi dispensada e figuram apenas ele e os filhos em cena, com suas qualidades e limitações técnicas. Abraçados por um lindo cenário de Hélio Eichbauer, que remetia Guimarães Rosa e crescia os sentidos com a iluminação impecável, os quatro estavam à vontade para conversar sobre religião, gostos musicais e outros temas, à medida que emendavam Trem das Cores, Deusa do Amor, A Luz de Tieta, Alguém Cantando e Genipapo Absoluto. Muitas delas acompanhadas de histórias sobre como e quando nasceram.

Mesmo sem sair do roteiro (e sendo a segunda passagem por Fortaleza), o público não deixou de aplaudir os momentos mais esperados do show. Zeca Veloso garantiu a concentração em Todo Homem e ainda tentou ensaiar uns passos duros de samba. Tom fez a dança do passinho em Alexandrino, antes de sentar e entornar uma garrafa inteira de água. Moreno também sambou ao lado do pai e era o mais sorridente dali. E Caetano, visivelmente rouco, exalava a sobriedade da experiência e da realização de estar ao lado dos filhos. Orgulhoso, mas discreto, em muitos momentos, era possível vê-lo atento aos movimentos deles, como se fosse um jurado do The Voice. Mas ali ninguém seria “excluído do programa”, já que Ofertório é uma bela cerimônia familiar, uma passagem de bastão para uma nova geração de compositores que, como disse Moraes Moreira em 1980, “vai botar pra quebrar lá pelos anos 2000”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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