Um passeio pelas listas de músicas mais tocadas nas rádios nacionais ao longo do ano e uma crise se instala sobre o que é a “música popular brasileira” dos novos tempos. Dominadas quase que integralmente por nomes – efêmeros ou nem tanto – do funk e sertanejo, com raríssimas entradas de nomes do rock, quase não há espaço para outros estilos nas estatísticas do Ecad e das plataformas de streaming. E aquela geração surgida nos festivais de música das décadas de 1960 e 70, que ajudou a solidificar a sigla MPB, continua gozando de respeito, lotando shows, apostando no formato disco, mas pouco tem influência nos novos gostos musicais.

Das maiores vozes da música brasileira há 50 anos, Gal Costa voltou a acenar para os mais novos em seu 29° disco de estúdio. Em A Pele do Futuro, coexistem gerações variadas em compositores como Gilberto Gil, Guilherme Arantes, Dani Black (autor da excelente discoteca Sublime) e Tim Bernardes. Mas nada chamou tanta atenção quanto um dueto com Marília Mendonça em Cuidando de Longe. O aceno tímido para o feminejo rendeu muita discussão e muitos cliques, mas não foi suficiente para colocar a diva baiana de volta na boca do povo – se é que era essa a intenção.

Contemporânea de Gal, Maria Bethânia também dedicou seu último trabalho ao encontro com o novo. Registro da curta turnê que passou por seis cidades, o show De Santo Amaro a Xerém (registrado em CD e DVD) marca o encontro da cantora conhecida pelas interpretações profundas e teatrais como o mestre da informalidade Zeca Pagodinho, alguém inédito no repertório da baiana. O projeto chama atenção pela mistura inusitada, mas parece ter sido feito de forma tão apressada que nem houve tempo fermentar um repertório no nível dos envolvidos. Sem arriscar muito, cada um pescou o que interessa em seus repertórios, juntaram num palco elegante (que mais tem a ver com Bethânia do que com Zeca), tentam ensaiar algumas brincadeiras (que mais tem a ver com Zeca do que com Bethânia) e pronto. É bem provável que os encontros no camarim tenham sido mais divertidos que aquele palco frio que deixou um copo de cerveja esquentando.

O fato é que nem sempre o que é apontado como novo é, de fato, novo. E, por outro lado, nem sempre apostar no que já se faz bem feito é sinal de comodismo. Caetano Veloso, por exemplo, apostou no que havia de mais confortável na hora de realizar seu novo trabalho: reuniu os filhos numa turnê aplaudida pelo volume de belezas e detalhes envolvidos. Desde o já experiente Moreno aos estreantes Zeca e Tom, todos tiveram suas potencialidades e fragilidades expostas, enquanto um Caetano discreto costurava tudo com canções falando da Bahia, da família e da revolução tropicalista.

Reunir a família e velhos amigos, e gravar boas canções foi também a fórmula usada por Gilberto Gil em seu confessional Ok Ok Ok. Pautado numa reavaliação pessoal e profissional que só a experiência permitiria alguém a fazer, o álbum produzido pelo filho Bem Gil tem uma música falando sobre biópsia e outra dedicada ao cardiologista. Ao mesmo tempo em que ele fala na finitude, também chama os netos para engrossar o coro numa brincadeira de roda. De quebra, ali no meio do disco, ainda está uma das melhores composições que ele lançou nas últimas décadas, Afogamento – dividida com Roberta Sá.

E também foi sem querer provar nada a ninguém que Erasmo Carlos apostou no que sabe fazer de melhor. Vindo numa sequencia de álbuns elogiados e rejuvenescedores desde Rock’n’Roll (2009), ele lançou o apaixonado Amor é Isso fazendo o que de melhor é capaz: canções de amor. Reunindo parcerias com Marcelo Camelo, Emicida, Marisa Monte e outros, o Tremendão derrama rimas simples e diretas, canta com sinceridade e emociona do começo ao fim.

2018 teve ainda Djavan falando de política em tons pasteis, Elba Ramalho celebrando 40 anos de carreira com disco de inéditas, Roberto Carlos voltando ao idioma espanhol e Fafá de Belém regravando um hit de Raimundo Fagner (em single que anuncia um novo disco para o ano que vem). A queda cada vez mais evidente do mercado de discos físicos e de uma lógica de gravação a partir de um conceito que une várias canções (e, às vezes, vários discos) também contribui para colocar esses nomes em um espaço cada vez mais reduzido em termos de popularidade. Sim, os ícones da MPB agora, mais do que nunca, se tornaram artistas de nicho. Pra sorte de todos, de MC Kevinho a Mozart, todos estão no mesmo aplicativo. É só procurar.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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