Quem já assistiu a algum show de Marcos Lessa, certamente, já ouviu o cantor e compositor cearense falar do quanto é importante defender a memória da música nacional. Não é demagogia ou da boca pra fora. De fato, sua fonte de inspiração para trabalhar são os grandes nomes da MPB, os fundadores desse gênero criado nos anos 1960 e que abarca uma miríade de estilos, como samba, rock e bossa nova. Comprovação dessa sinceridade, em menos de 10 anos de carreira, o cearense já dedicou um espetáculo a Wilson Simonal, foi produzido por Raimundo Fagner, gravou inédita de Evaldo Gouveia, lançou um tributo a Gonzaguinha e a Belchior, e compôs ao lado Flávia Wenceslau.

O novo trabalho de Marcos pode servir como um prêmio por essa insistência em fugir das formas mais populares de sucesso. Deslizando na Canção, previsto para ser lançado pela Biscoito Fino no segundo semestre, é um álbum com pegada de bossa nova que conta com a produção de ninguém menos que Roberto Menescal. O violonista e guitarrista carioca, membro fundador daquela turma que fez história no fim da década de 1950 levando a batida mágica para o mundo, foi quem se prontificou a cuidar do terceiro disco do cearense e abriu sua agenda valiosa de contatos em busca de canções.

“O Menescal é muito prático. Como ele foi 15 anos diretor de gravadora, ele gosta de ser muito orgânico. Então ele me trouxe uma seleção de 20 músicas pra gente escolher 12”, conta Marcos Lessa. Entre as músicas está Entardecendo, composição de Marcos Valle e João Donato que seria oferecida a Emílio Santiago, cantor que morreu em 2013 após sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Desde que surgiu no cenário nacional, não faltaram comparações entre Marcos e Emílio, principalmente, por causa do timbre grave de ambos. O cearense, que garante que não conhecia a obra do cantor carioca, resolveu a questão lhe dedicando um tributo. “Eu vi, em determinado momento, que ou eu endoidava ou aprendia com ele. De tanto o povo falar, eu passei a ouvir e, de repente, estou ali na turma dele. O Marcos Valle, inclusive, além de tocar com o Emílio, era amigo dele. Tenho muitas diferenças com ele, mas, nesse quesito da música brasileira, a gente bebe na mesma fonte”.

Outra música que entrou no álbum é Doralinda, inusitada parceria de João Donato com Cazuza. Por uma coincidência, mais uma vez, Emílio Santiago está no caminho: ele gravou esta bossa no disco Resposta ao Tempo (1998), de Nana Caymmi. A música foi um presente de Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, para Marcos e conta com a participação especial de Jorge Vercillo cantando junto. Um pedido particular do cearense foi gravar uma versão intimista de O Barquinho, acompanhada apenas do violão de Menescal. “Melhor que essa versão não há”, celebrou Yara Menescal, esposa do compositor carioca. Tem ainda uma parceria de Dalwton Moura e Menescal chamada Pelo Avesso do Tempo.

A história de Marcos Lessa com Roberto Menescal é antiga e começou de uma forma bem curiosa. Em um dia qualquer de 2011, o violonista estava num shopping de Brasília realizando uma conversa cheia bossa com Miúcha. Entre as histórias, eles cantavam alguns dos muitos sucessos da carreira. No meio do público, sentado bem na frente, Marcos Lessa acompanhava as canções cantando, de propósito, um pouco mais alto. Aquela performance chamou a atenção dos veteranos que o convidaram para subir ao palco. O encontro foi registrado e está no Youtube. “Miúcha deu um beijo na minha bochecha e disse que eu nunca mais parasse de cantar”, orgulha-se o cantor que, quando entrou para o elenco do The Voice, conheceu o genro de Menescal, então diretor-geral do programa. Alguns anos depois, já com a carreira no mundo, Lessa reencontrou Menescal em Fortaleza e, por intermédio do empresário Pio Rodrigues, tornaram-se parceiros.

“Menescal que se prontificou pra fazer o disco. Eu jamais, naquele setembro de 2011, imaginei que fosse haver esse encontro”, comemora Marcos, que ainda ouviu alguns bons elogios do mestre da bossa nova. “Eu perguntei quem foi melhor de gravar com ele e o Menescal disse que tinha sido o Emílio e a Elis, porque era muito rápido”. Esse diagnóstico fez Marcos entrar numa rotina de disciplina para fazer o seu melhor em menos tempo. “Em dias corridos, tudo foi feito em uma semana. Nessa semana, eu fiquei completamente imerso. O Menescal disse que foi o disco que menos deu problema pra gravar”.

Deslizando na canção já tem data de lançamento em Fortaleza: dia 11 de agosto, no Cineteatro São Luiz, com a participação especial do produtor. E no fim de agosto tem show marcado no Blue Note, Rio de Janeiro.  O nome do álbum foi dado por Olivia Hime, dona da Biscoito Fino, que pescou a frase na faixa-bônus. Marcos aprovou por já servir como uma homenagem a Menescal. “Ele me deu uma liberdade muito grande, presando pela forma de cantar. É meu mestre hoje na música, é o Menescal. É pela forma como ele se porta, com muita humildade. Ele não precisava ter gravado esse disco. Mas a generosidade faz ele procurar um cara do Ceará e fazer o que está ao alcance dele”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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