Foto: Roberto Setton/ Divulgação

Há 29 anos, Zélia Duncan iniciou uma carreira pautada no bom gosto, sem tirar o olho do popular. Seu primeiro disco, Outra Luz (1990), não tinha um rosto e buscava uma personalidade, quando ela ainda assinava como Zélia Cristina – apesar de que é desse disco a bela e desconhecida Meus Olhos (Cal Venturi/ Silvia Patrícia).

Quatro anos depois, já assinando como Duncan, ela estourou nacionalmente com Catedral, Nos Lençóis desse reggae e Não Vá Ainda no belo disco que trazia apenas seu nome na capa. Se no disco anterior ele co-assinava apenas uma música, agora Christiaan Oyens dividia a maior parte do repertório.

A parceria e a amizade deram certo e o músico, produtor, compositor e cantor mezzo uruguaio, mezzo brasileiro tornou-se sinônimo de Zélia Duncan. Embora inseparáveis em diferentes níveis, as carreiras os levaram a projetos separados por quase 10 anos. Nesse tempo, ela gravou Itamar Assumpção, se embrenhou no samba, homenageou Milton Nascimento num álbum dividido com o maestro Jaques Morelembaum, entre outras aventuras musicais.

Tudo é Um (leia mais aqui), 13° álbum de estúdio de Zélia, marca o retorno da parceria e àquela estética folk/ pop/ delicada/ sensível do início da carreira desta niteroiense. Por telefone, ela conversou com DISCOGRAFIA sobre esse novo disco e, a seguir, ela comenta as faixas do novo disco. Acompanhem:

1. Canção de Amigo (Christiaan Oyens/ Zélia Duncan)
Zélia Duncan – “Eu tenho dito que esse disco é uma celebração da minha amizade com Christiaan. Ele fez muita coisa depois que ficou mais conhecido com as nossas coisas e ele ficou muito conhecido como multi-instrumentista, como de fato ele é. É um disco muito emocional e essa é uma música que me emocionei muito pra gravar. Tem um perdão que com a idade a gente dá pra gente mesmo. De não ser perfeito, mas ser quem se é. Nós dois temos 54 anos. É um tempo de dizer que foi bom o que conquistou. E o que não conquistou tudo bem, não tem problema”.
Comentário do blog: boa trilha para uma reunião de amigos. Fala em memórias, música, abraços apertados, defeitos perdoados e apelidos esquisitos. Zélia fez para um grupo de amigas de longa data, mas cabe em qualquer reencontro da turma do colégio. Rodrigo Suricato dá toques sutis na guitarra e o clima é de feliz nostalgia.

2. Só Pra Lembrar (Dani Black/ Zélia Duncan)
Zélia Duncan – “É uma música que amo muito. Ela entrou numa novela que ainda não estreou, chamada Bom sucesso. Espero que seja isso mesmo. Ela fala de amor e dá esse conforto”.
Comentário do blog: segue o clima da anterior, com muita placidez para falar que sempre tem um ombro amigo pra ajudar a sustentar o tranco. “Pode o oásis secar, eu buscarei a mais clara das fontes”. Dani Black comparece muito discreto em violão e voz, mas deixa seu recado.

3. Me Faz Uma Surpresa (Zeca Baleiro/ Zélia Duncan)
Zélia Duncan – “A gente (Zélia e Zeca) fez muitos shows legais. Embora haja plano de gravar juntos, eu pedi pra gravar essa antes. Tem duas parcerias minhas com o Zeca e são duas músicas importantes no disco. O Zeca virou um parceiro muito importante”.
Comentário do blog: com um som mais forte, levada funkeada e sopros no ataque, a parceria traz a verve já conhecida de Baleiro, que remete ao estilo de Itamar Assumpção. Mas só remete… Os dois cantam juntos do começo ao fim, sem criar muito arranjo de voz.

4. O Que Mereço (Juliano Holanda)
Zélia Duncan – “Acho essa música a minha cara. Eu canto essa música muito feliz. Os instrumentos e os arranjos estão servindo muito bem à canção”.
Comentário do blog: voltando ao folk, Zélia canta docemente uma das melhores faixas do disco. “Quem não sabe o rosto, sabe o véu” é uma bela frase. Mas, por telefone, Zélia destacou outra: “nenhum mar a mais, nenhuma gota a menos. Nenhum grão a mais, nenhum deserto a menos”. Letra e melodia em perfeita sintonia. O acordeom de Leo Brandão é pura beleza.

5. Tudo É Um (Chico César/ Zélia Duncan)
Zélia Duncan – “Da minha geração, Chico César é um dos caras mais importantes. E essa música fala da minha peregrinação por tantos ritmos, mas que tudo parte da mesma fonte que sou eu. Eu acredito realmente nessas coisas. Não sou mística, mas acredito”.
Comentário do blog: um xotezim elegante puxado pela guitarra de Rodrigo Suricato. De repente entra Zé Nogueira com um solo de duduk, instrumento de sopro semelhante à flauta, conhecido como “oboé armênio”. A letra existencialista traz um jogo de palavras sobre o ser e o não ser. É pra ser levada a sério e descobrir sentidos.

6. Medusa (Zeca Baleiro/ Zélia Duncan)
Zélia Duncan – “A outra com o Zeca. É uma música que tem uma levada sensual e está falando de liberdade”.
Comentário do blog: o traço de Zeca Baleiro é forte, mas aqui parece combinar melhor com o jeito de Zélia. Zeca faz vocais muito discretos e o instrumental é rico em timbres e percussões. É interessante, mas o disco tem melhores.

7. Olhos Perfeitos (Christiaan Oyens/ Zélia Duncan)
Zélia Duncan – “Uma música muito especial dentro do disco, talvez uma das preferidas. É muito comovente”.
Comentário do blog: uma baladinha bem açucarada, apesar da letra que mistura climas ensolarados e sombrios. Lembra bastante as fusões de MPB feitas por Arnaldo Antunes. Também parece trilha de novela, mas tem uns sopros que quebram (positivamente) alguma expectativa.

8. Sempre Os Mesmos Erros (Fred Martins/ Zélia Duncan)
Zélia Duncan – “Fred é um excelente compositor. E essa é uma música que gosto muito e vai crescer nos shows. Ela é um pouco diferente. Tem a ver com o meu pequeno universo de parceiros”.
Comentário do blog: espécie de bicho estranho no disco, essa faixa conta com o cello de Jaques Morelembaum. A letra é uma crítica direta, mas sem moralismos, sobre a mania de dar opiniões sobre tudo, algo muito comum em tempos de redes sociais. A melhor faixa do disco em som e letra.

9. Breve Canção de Sonho (Dimitri/ Zélia Duncan)
Zélia Duncan – “Essa música foi lançada na trilha da novela Cheia de Charme, mas nunca foi pra um disco. O arranjo dela era só com violão e tecladinho. Achei que ela merecia entrar de verdade num disco”.
Comentário do blog: a versão original tinha algo de crueza, de pouco verniz que a deixava bastante sedutora. A nova versão coloca mais elementos, dá um trato, um acabamento e a deixa mais radiofônica. Se for pra escolher entre a original e esta regravação, fique com as duas. É uma canção romântica, doce e bela. Sem invencionices.

10. Feliz Caminhar (Moska/ Zélia Duncan)
Zélia Duncan – “Meu irmão querido, o Moska. Ele fez um vocal lindo, tem umas cordas. Ele mandou uma mensagem linda dizendo que tinha chorado quando ouviu. E ela tem essa mensagem, de que nada pode ser o fim do mundo. Ela é muito macia”.
Comentário do blog: ainda no clima da leveza, esta balada tem algo de sobras, algo de medieval e muita sensualidade. A mão de Moska pesa na letra, mas o toque de Zélia também se faz presente. Os vocais de Moska estão ali, mas é preciso atenção pra perceber. O violão faz um movimento circular enquanto os instrumentos de cordas e as vozes vão criando um clima. Uma bela e intrincada cama de sons.

11. Eu Vou Seguir (Zélia Duncan)
Zélia Duncan – “Uma ótima forma de encerrar o disco. Essa música tem esse negócio de vãobora, eu vou seguir”.
Comentário do blog: a faixa que resume a essência de Tudo É Um. A mensagem é sobre seguir em frente apesar de tudo. A bateria insistente sugere uma marcha até que tudo encerra com uma grande explosão de vozes fazendo um “ná ná ná ná”. A ideia é essa mesma, de todo mundo junto.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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