Murilo Alvesso/ Divulgação

Há 4 anos, Fafá de Belém lançou um disco que tinha o sorriso como foco, do título às canções. Do Tamanho Certo Para o Meu Sorriso era um projeto focado nos ritmos paraenses, comandado pela dupla Manoel e Felipe Cordeiro, e que rendeu um show cheio de cores, risadas e performances divertidas. Eram outros tempos no Brasil, no mundo e no entorno desta cantora de 62 anos.

Em 2019, parece que uma desesperança tomou conta da intérprete cheia de personalidade que fez o Brasil cantar Nuvem de Lágrimas. Seu novo espetáculo, Humana, apresentado no último domingo, 21, no Teatro RioMar, é sisudo, cheio de escuridão e tem forte discurso político.

Esse impacto climático já foi sentido na capa do álbum lançado nas plataformas de streaming há alguns meses. No lugar daquele decote voluptuoso e do sorriso de lábios vermelhos, um alto contraste em preto e branco, e uma expressão de desespero.

Para o show, também é esse o tom. Fafá de Belém chegou com o rosto sério trajando um blazer escuro e reto, com as costuras à mostra, e longas fitas brilhosas penduradas. “Esse show não tem concessões”, avisou após duas músicas. Em seguida, explicou que o novo show era uma resposta aos tempos truculentos, de pessoas vivendo para seus celulares, de tolerância mínima e outros males. Sobrou também para a infeliz e abjeta declaração do presidente Jair Bolsonaro sobre os nordestinos. “Tenho orgulho de ser paraíba”, afirmou a cantora que pouco sorriu ao longo do show de pouco mais de uma hora.

Acompanhada de Allen Alencar (guitarra), João Deogracias (baixo), Zé Manoel (piano) e Richard Ribeiro (bateria), Fafá botou muita voz pra fora num show de pegada roqueira. Mesmo com algumas entradinhas erradas, pequenos detalhes para os mais atentos, tudo ali parecia bem ensaiado, entrosado e angustiante. Um som forte de respiração cruzou o show do começo ao fim, aumentando essa sensação.

Para quem foi em busca de ouvir os velhos sucessos deve ter saído decepcionado. Delas, entrou no roteiro apenas Dentro de Mim Mora um Anjo, belíssima, a propósito. Mas nada de Abandonada, Pode Entrar ou Bilhete. O foco mesmo era o repertório de Humana e suas canções cheias de guitarras e melancolia. O Resto do resto (Fátima Guedes) foi um destaque com sua falsa delicadeza – um tapa com luva de pelica, como se diz. Dona do Castelo, uma das mais pungentes canções de Jards Macalé e Waly Salomão, também foi de derrubar qualquer estrutura em versão avassaladora. E Toda forma de Amor, hit de Lulu Santos, em novo arranjo mais pesado, empolgou a plateia com seus versos sempre atuais. E o que dizer de Revelação (Clodo/ Clesio), grande sucesso do repertório de Fagner, foi outro grande momento de Humana.

Relembrar Taiguara e sua obra sempre dilacerante foi outro grande acerto de Humana. Universo no teu Corpo e seus versos amargos (“Só encontro/ Gente amarga mergulhada no passado/ Procurando repartir seu mundo errado/ Nessa vida sem amor que eu aprendi”) confirmam o gigantismo do compositor e a vontade de Fafá de Belém em mergulhar nas emoções do show. Num segundo momento do show, trajando uma enorme manta escura, sem detalhes, colares, nada, ela segue sua estrada tortuosa com o excelente repertório do seu novo disco – pancadas como Eu não sou nada teu (Zé Manoel/ Marcelo Segreto) e Ave do Amor (Arthur Nogueira/ Ava Rocha) – com duas ótimas escolhas do repertório de Milton Nascimento: Crença e Credo. O que dizer daquela mulher poderosa, com o dedo em riste, avisando “Tenha fé no nosso povo que ele acorda. Tenha fé no nosso povo que ele assusta”? Para um último bis, ela fez sim uma concessão e cantou Mucuripe (Fagner/ Belchior), acompanhada só pelas vozes daquela plateia de “paraíbas” que ouviu atento cada palavra.

Mas o grande destaque de Humana foi mesmo sua protagonista, uma cantora experiente e estabelecida, mas ainda disposta a se arriscar. Sem manifestações partidárias ou gritos contrários, Fafá de Belém soube captar com perfeição a medida da indignação. O figurino escuro, estranho, incômodo casava perfeitamente com a mensagem disparada ali. Teve ainda crítica contra quem a chamava de gorda e outras coisas. A resposta veio na medida. Agressiva, embora elegante. Forte e direta. E ainda em forma de música, o que tornou tudo ainda mais pungente.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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