Foto: Patricia Lino/ Divulgação

A história já foi contada inúmeras vezes, mas, por diferentes motivos, não deve ser esquecida. Elza da Conceição Soares saiu da casa, na favela carioca Água Santa, para ir ao programa Calouros em Desfile, onde enfrentaria o gongo do implacável Ary Barroso. Ao ver a figura magra, usando um vestido da mãe, o compositor de Aquarela do Brasil, mandou na lata: “De que planeta você veio, minha filha?”. Indignada, ela deu sua melhor resposta: “do mesmo que o senhor, seu Ary. O planeta fome”.
Décadas se passaram, mas a fome de Elza não. “Fome de saúde, cultura, beleza, amor. É um momento de muita fome, de incerteza total”, enumera a cantora que chega este fim de semana a Fortaleza para apresentar seu novo disco, não por acaso batizado de Planeta Fome (Deck Discos). A carioca que não revela a idade é atração deste sábado, 23, do festival Elos, que aporta pela segunda vez na Praia de Iracema. A programação é toda gratuita e começa amanhã, 22, seguindo até domingo, 24, com shows, espetáculos de teatro e dança, e desfile de maracatu.

Dividir o palco com nomes tão variados como Vanessa da Mata, banda Rivera e Francisco el Hombre diz muito sobre que é Elza Soares. Desde a década de 1950, quando despontou para a música, expandir horizontes artísticos é uma regra. “Eu sempre fui muito inquieta. Cantava Chico, Caetano, Gonzaguinha… Minha música nunca foi de rótulos. Não suporto isso”, confirma ela por telefone. Seus últimos trabalhos confirmam isso.

Reconhecida historicamente pelo samba moderno, cheio de nuances jazzísticas, ela vem desde 2015 provando uma renovação de sons e público. Esse processo começou com o premiado disco A Mulher do Fim do Mundo e seguiu em Deus É mulher (2018). Planeta Fome segue esse fluxo e mistura os universos de Russo Passapusso, Pedro Luis, Rafael Mike (Dream Team do Passinho), B Negão, Laerte (cartunista), Letieres Leite, Virgínia Rodrigues e Gonzaguinha. Deste último, por exemplo, ela regrava a contundente Comportamento Geral. “A primeira música dele (O gato) fui eu que gravei. Essa é uma música política à beça também”, comenta Elza. “Era um senhor poeta, um cara meio tímido e com essa capacidade toda. E essa música (Comportamento Geral) tem repercussão até hoje. Ele e Cazuza já sabiam tudo”.

Assim como a música de Gonzaguinha, também foi contundente e segue atual sua resposta a Ary Barroso. “Hoje está mais contundente ainda”, confirma. Para Elza, o encontro com o mestre Ary, quando ela ainda sonhava ser artista, foi motivo de demonstrar força. “Senti raiva, fiquei muito triste. Sabia que era deboche. Me senti murchinha, todo mundo rindo muito. Rindo de mim, da minha roupa, do meu cabelo”. Mas, se o veterano foi desrespeitoso, são os jovens compositores que enaltecem e mantém Elza na estrada. Acima de qualquer limitação, ela segue buscando canções que deem voz à sua fome e compartilha isso com uma plateia que se renova. “Pra quem tem cabeça boa, a linguagem é a mesma. Eles falam o mesmo que eu”.

Programação
Sexta-feira, 22
17 horas – Cultura Popular e Artes Cênicas
Vidança (Cortejo e apresentação)
Circolarizando

A partir das 18 horas – Palco Música
Orquestra de sopros de Pindoretama
DJ Darwin Marinho
Projeto Rivera
Francisco El Hombre

Sábado, 23
A partir das 17 horas – Cultura Popular e Artes Cênicas
Maracatu Vozes da África
Urubus (Pavilhão da Magnólia e Cia Prisma das Artes)

A partir das 18 horas – Palco Música
Tocando a Vida (Estação da Luz)
Revelarte (Casa de Vovó Dedé)
DJ Nego Célio
Luiza Nobel
Elza Soares

Domingo, 24
A partir das 17 horas – Cultura Popular e Artes Cênicas
Banda de Pife de Aquiraz
Desequilibrados

A partir das 17 horas – Palco Música
Sexteto Jacques Klein – Instituto Beatriz e Lauro Fiuza
DJ Isa Capelo
Las Tropicanas
Vanessa da Mata

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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