Cainã Cavalcante tinha cerca de oito anos, mas já era reconhecido pela habilidade como violonista. Foi nessa época que ele conheceu Adelson Viana, pianista e acordeonista, um dos músicos mais admirados e requisitados nestas bandas do Brasil. Desde então, eles já gravaram, dividiram o palco, histórias e admirações mútuas. Agora, nesse finzinho de 2019, chegou o momento de eles afinarem a parceria no disco Nessa Praia, lançado nas plataformas digitais.

Gravado em Fortaleza, no estúdio particular do Adelson, Nessa Praia é o resultado das muitas idas e vindas desses dois mestres. Cainã, morando em São Paulo, encontrava espaços na agenda pra vir compor ou registrar mais uma das 10 faixas do álbum que passeia por influências que vão da Argentina a Pernambuco. Isso, literalmente, por que Nessa Praia abre com Estrada da Vida, um “tango baião” que Adelson compôs e já vinha apresentando em shows, apesar de nunca ter gravado, e fecha com o frevo Spokiando, parceria de Adelson com o violonista João Lyra em homenagem ao maestro Spok. Os quilômetros que separam essas canções são percorridos com muito improviso, interação musical e inspiração.

“A gente resolveu fazer dessa forma, bem acústico, com dois instrumentos da MPB. O intuito era de ser uma coisa camerística, da MPB, que é um tesouro. Os instrumentos remetem a isso”, explica Cainã, que conheceu o parceiro quando gravava seu primeiro disco no estúdio de Manassés. “Pra mim, é um prêmio esse disco com um músico que sempre me inspirou, segue me inspirando. Um maestro”, resume. Adelson também não mede elogios ao violonista. “Conheço o Cainã desde cedo e ele já era um prodígio, um geniozinho. Desde muito cedo, eu já admirava a musicalidade dele. Ele vai bem em qualquer praia. Depois que a gente criou um entrosamento musical bem espontâneo, resolvemos fazer esse disco”, explica.

Esse entrosamento é óbvio ao se ouvir Nessa Praia. A força do duo já vem impressa na primeira faixa, onde eles medem forças, numa disputa sem vencedores. A música, sinuosa, rápida e potente, é que sai ganhando. Choro pro Adelson, de João Lyra, remete ao que há de mais precioso na tradição brasileira, com seu sincopado contagiante, e, assim como Do Mestre Ao Discípulo, de Dominguinhos, são homenagens a Adelson Viana registradas em seu primeiro disco, Acordeom Brasileiro (2009). “Acho que o Cainã fez uma adaptação muito bonita. Uma melodia de craque”, elogia Adelson sobre esta segunda.

Bodega do Véio é uma homenagem de Adelson a um bar, um reduto de artistas que ele conheceu em São Luiz. Noel Rosa é celebrado em pot-pourri com Último Desejo e Conversa de Botequim. “O Cainã já veio com o arranjo pronto. Essa segunda eu já tocava, ele penso no Último Desejo e eu saí correndo atrás”, conta Adelson que homenageia seu professor de acordeom, o professor Soares, autor de Alice, que ele define como “uma valsa concerto, música pra músico, meio desafio, com muita nota”. Mas se a questão é o volume de notas, a que se medir Forró Gaúcho, de Cainã, que desenha paisagens sonoras que passeiam de um pé de serra no Nordeste até o mais plácido dos pastos do Rio Grande do Sul.

Na definição de Adelson Viana, Foz, composição de Cainã, é dessas melodias que ficam bem em qualquer instrumento. E é verdade, uma composição simples, delicada como acalanto, que remete a clássicos de Dominguinhos, nome que parece abençoar cada faixa de Nessa Praia. E a faixa título, “um baião metido a besta” de Adelson, feito para ser trilha de um documentário, começa com a dupla contemplando essa praia, num fim de tarde, sol se pondo, o dia acalmando. Mas aí já é dia novamente, jangadas indo e voltando, e a paisagem se desenhando na melodia operística de seis minutos.

As faixas longas de Nessa Praia dão espaço para Adelson e Cainã brincarem bastante. Sem muita preocupação, eles combinaram como seria cada canção e deixaram os improvisos virem. “É um trabalho autoral, foi gravado de uma forma bem espontânea, do jeito que a gente sempre tocou. O grande lance é a coisa ao vivo. foi mais livre que elaborado. Ao final, virou isso aí”, conta o acordeonista, adiantando que em breve Nessa Praia será lançado em formato físico e apresentado em shows. “É uma celebração, um encontro, uma homenagem ao Dominguinhos. Gravamos algumas músicas que a gente idealizava como uma coisa bem brasileira”, comemora Cainã, que vem dividindo palcos e estúdios com gente como Mestrinho, Hamilton de Holanda, Dani Black e Fabiana Cozza. “Eu gosto muito de tocar com o Cainã. É um musico que faz a gente crescer no palco. Ele faz um tapete e deixa a gente passear ali”, devolve Adelson, bom sabedor do que diz.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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