O Férias na Pi, edição 2020, chega ao seu último fim de semana. Hoje e amanhã, atrações locais e nacionais encerram a temporada de shows gratuitos que tomou conta da Praia de Iracema nos últimos dois fins de semana. Realizado pelo Instituto Iracema e Prefeitura de Fortaleza, com patrocínio da Devassa e 99 Pop, o pequeno festival merece ter vida longa por não seguir o bonde das facilidades da indústria musical, saber combinar novidades com nomes consagrados, e realizar uma programação instigante, politizada, inteligente e sensível.

Para a despedida, nesta sexta-feira, tem Camila Marieta e o coletivo de DJs Atrita no palco Belchior, montado próximo ao Centro Cultural Belchior. No sábado, no palco Iracema (ao lado da imagem da Iracema Guardiã), a programação vai da banda Boogarins ao compositor Vitor Kley (que, até uma semana atrás, eu não tinha o menor conhecimento de quem se tratava). A seguir vão algumas breves impressões sobre os shows que consegui ver nos dois primeiros fins de semana.

– Cidadão Instigado

Um dos grandes orgulhos locais, a banda liderada pelo talentoso Fernando Catatau é daquelas que arregimenta simpatia sempre que toca em Fortaleza. Nem todo mundo que estava ali conhecia o repertório, mas não era difícil perceber que não tinha um bando de novatos no palco. Os caras têm personalidade e um repertório muito característico. Cheguei no fim da apresentação, mas ainda peguei Deus é Uma Viagem, O cabeção, Homem Velho e outras poucas. Engraçado que eles saíram do palco sem nem dar chance de ninguém pedir bis.

– Arnaldo Antunes

A turnê RSTUVXZ mostra o ex-titã se dividindo entre um repertório inédito e autoral de rocks (o “R” do nome da turnê) e Sambas (o “S”). No meio do espetáculo, entram outros ritmos (“TUVXZ”) e um apanhado de canções de seus tempos de banda e solo. Arnaldo é sempre bem recebido por aqui, tem carisma, talento a dar e vender, mas a formação escolhida para a apresentação não ajudou a fazer o espetáculo decolar. Além da voz grave e quase monocórdica do paulistano, o palco recebeu Curumim (bateria e vocais) e Betão Aguiar (violão e baixo). O trio é talentoso e até se basta, mas num show gratuito à beira-mar, não funcionou muito bem. Foi interessante, mas não empolgou muito.

– Céu

Encerrando a noite do sábado 4, Céu enfeitou o palco com muitas luzes e surgiu divina com sua dança lânguida e sua voz que é puro charme. O repertório focou nos últimos álbuns e abriu mão dos hits (para o padrão Céu) dos primeiros discos. Ou seja, quem foi lá ouvir Na Bubuia, Lenda ou Malemolência saiu chupando o dedo. Mas Apká, seu novo trabalho, tem apelo próprio e algumas de suas melhores canções em anos – Off (Sad Siri) prova isso. Além disso, Céu consolidou uma linguagem própria, uma voz sedutora e um apelo particular para sua música. Por si, isso já basta para sair de casa e ver seu show. Por aqui, não foi diferente e foi um belo espetáculo.

– Mona Gadelha

A cantora e compositora cearense foi uma ótima surpresa para quem estava com o pé na areia no sábado 11, às 17h30. Alguns raios de sol ainda resistiam quando a veterana do blues e do rock local subiu ao palco com uma banda basicamente de mulheres (o tecladista Herlon Robson era uma espécie de licença poética) e fez um show bonito, cativante e cheio de personalidade. A grande maioria do repertório foi tirado da própria lavra e ela ainda se deu ao direito de abrir mão do blues Cor de Sonho, sua consagração, seu clássico gravado no disco da Massafeira. Apesar da ausência desta que é um orgulho local, não faltaram boas canções. Segura no palco e na interpretação, e com muita simpatia, Mona ainda contou com algumas participações especiais. Benjamim Arquelano mostrou que tem belo timbre, mas estava bem inseguro. Já Lua dividiu com a anfitriã uma versão escaldante de Sweet Dreams (Are Made of This), do Eurythmics, um dos pontos altos do show. Teve ainda Cinema Noir (a do “meu amigo, Jack”) versão de Ângela RoRô e outras boas surpresas.

– Thiago Pethit

Thiago Pethit é um artista super interessante, com uma performance de palco bem afrontosa, intensões claras e uma bela voz (mais pela verdade que ela expressa do que pela técnica). E ele sabe usar muito bem essa voz. Em 2014, ele lançou Rock’n’Roll Sugar Darling, disco esplêndido onde filtra a linguagem do rock pelos próprios princípios. Cinco anos depois, veio Mal dos Trópicos, mais sombrio, nebuloso e trágico. Foi este segundo que deu o tom do show que veio para o Férias na Pi. Como se num teatro, Pethit se mexia no palco com muita certeza do que queria mostrar. O espetáculo foi todo a um só ritmo, lento (mas nunca triste), e encerrou ao som do samba do bloco Cola Velcro. Um espetáculo digno de quem sabe onde quer chegar.

– Erasmo Carlos

O que dizer de um jovem senhor 78 anos que já é imortal enquanto compositor? Sim, não havia medo de erro no show. O risco maior era de ser chapa branca, uma vez que Erasmo tem hits suficientes pra cantar por uma semana sem repetir uma música sequer. Pois é, mas estamos falando do Tremendão, uma cara que ainda vem em busca de novos parceiros, novo repertório e novas paixões. E foi à paixão que ele dedicou o show Isso é Amor, que combinou o peso de duas (às vezes três) guitarras com letras doces, quentes e sedutoras. Erasmo cantou com vontade, acreditando nas próprias palavras, misturou seus mega-sucessos com a produção mais recente. E o público só agradecia e celebrava um dos maiores artistas que o Brasil já viu nascer. No repertório, teve Mulher, Festa de Arromba, Minha Fama de Mau, É Preciso Saber viver, Que Tudo Mais Vá pro Inferno e mais uma fileira de sucessos em meio às canções dos últimos e excelentes discos. O amigo Roberto deveria seguir esse exemplo. Ainda dá tempo.

– Marina Lima

Falam que Marina perdeu a voz, não canta mais nada. Aí Marina Lima vem a Fortaleza, sobe no palco e mostra que canta sim. Do seu jeito, com sua força e suas limitações. E uma coisa é preciso ser dita: foi um ótimo show. A intensão era quase didática: mostrar a quem nunca tinha visto Marina ao vivo quem é aquela compositora que surgiu no fim dos 1970, estourou nos 1980 no meio da geração roqueira, reinventou a própria música nos 1990 e se reinventou como pessoa no novo milênio. Duas surpresas já fizeram valer o dinheiro do Uber de quem esperou o último show do sábado, 11: Criança é uma típica canção de Marina versão 1990. Com batida funkeada, letra direta, essa canção ficou perdida no tempo, entre tantas outras, mas foi legal resgatá-la. Já Acontecimentos segue presente em rádios, mas seu charme e seu balanço são incansáveis. Esta última, a propósito, foi dividida em dois momentos. No primeiro, entra a gravação original, com a cantora no auge da performance vocal, e emenda na segunda, feita ao vivo, com a nova Marina e sua banda super afiada. Ela cantou, dançou, agradeceu e saiu com a certeza de que volta em breve.

Essa é a programação do último fim de semana de Férias na PI:
Dia 17 (sexta-feira) – Palco Belchior
17 horas – Camila Marieta
18 horas – coletivo de djs Atrita

Dia 18 (sábado) – Palco Praia (Aterrinho da Praia de Iracema)
17 horas – Show Preto
18h30min – Boogarins
20 horas – Lellê
21h30min – Detonautas
23 horas – Vitor Kley
00 horas – Coletivo Baile de Favela

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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