Liniker, Luedji Luna , Maria Gadú, Letrux e Xênia França em Acorda Amor (Foto: Divulgação)

Difícil escolher por onde começar esse texto. Poderia ser pelo elenco de cinco cantoras da nova cena nacional que, em sua maioria, militam por seus trabalhos de forma independente. Também poderia ser pelo repertório selecionado com precisão em meio às camadas mais saborosas da música brasileira. Ou quem sabe pelo conceito que levanta bandeiras importantes para o Brasil (e o mundo) atual, fala de amor e luta, mas não perde a ternura de jeito nenhum.

2020 está só começando, mas Acorda Amor já pode ser incluído entre os grandes lançamentos do ano. Parece cedo mesmo, mas um conceito tão bem amarrado, que abre tantos caminhos pra seguir e que, ao mesmo tempo, é tão fluente, pop e radiofônico, tem sido cada vez mais raro em tempos de lançamentos e audições fragmentadas. É por isso que o projeto é precioso.

Lançado em streaming e numa caprichada edição em CD pelo imprescindível Selo Sesc, Acorda Amor foi idealizado pelo programador cultural do Sesc Pompeia, Devanilson Furlani, que convidou o baterista Décio 7, do Bixiga 70, para montar um anti-baile de Carnaval. A ideia era reunir uma turma e um repertório que servisse como resposta à chegada de Michel Temer à presidência do Brasil. E os dois convidaram a jornalista Roberta Martinelli (confira entrevista com Roberta clicando aqui) para assumir a direção artística do projeto.

O passo seguinte foi escolher as vozes e as canções que entrariam no espetáculo. Num cenário fértil de artistas, a escolha recaiu sobre cinco jovens cantoras que representam um novo cenário musical brasileiro. Letrux, Liniker, Luedji Luna, Xênia França e Maria Gadú se misturam, ora como voz principal, ora como vocal de apoio, empregando suas verdades, convicções e afetos em 17 faixas que vão de um esquecido Abigail de Moura (da Orquestra Afro-Brasileira) ao multicultural Francisco, El Hombre. Em tempo: a música que dá nome ao projeto, composição Leonel Paiva e Julinho de Adelaide (ambos, na verdade, são Chico Buarque sob pseudônimo), não está no repertório. Por quê? Porque não.

O repertório passeia por raridades preciosas, sucessos populares e canções que merecem uma nova chance para chegarem a mais ouvidos. Entre as mais famosas tem Saúde, joia pescada da fase mais pop de Rita Lee e que Letrux aproveita pra se divertir enquanto canta. Lançada como um dos primeiros singles do projeto, Extra (Gilberto Gil) ganha a voz profunda de Luedji Luna, que canta como quem reza. O Quereres ganha novo balanço, mas perde força com Maria Gadú se segurando nos graves. Melhor ela se sai em Nuvem Cigana (Lô Borges/ Ronaldo Bastos), com seus detalhes indianos, mântricos e transcendentes – tem até uma orquestra de cordas pra tirar o ouvinte do chão.

Cantora de emoção explícita, Liniker acelera a batida de A Vida Em Seus Métodos diz Calma (Di Melo) e recita com cuidado os versos de Chorando pela Natureza (João Nogueira/ P.C. Pinheiro), que, infelizmente, seguem atuais apesar dos seus 40 anos de idade (“As matas sumindo da nossa bandeira/ (…) O branco em guerra está/ E o nosso índio tombou/ Pouca gente lutou”). Um destaque de Xênia França é Assumindo, samba de Leci Brandão, com letra espertíssima, que aqui ganha ares abolerados.

Musicalmente, Acorda Amor já se basta com versões cheias de frescor interpretadas por cinco cantoras de personalidade forte e por uma banda formada por destaques da cena contemporânea, como Fábio Sá (baixo), Guilherme Held (guitarra) e Thiago França (sax). Mas o projeto não se encerra aí. Cada faixa traz sua mensagem, como se eles todos os envolvidos tivessem achado garrafas com bilhetes guardados há décadas – mas que acabamos ignorando por comodismo ou excesso de confiança. Fato que é que é preciso ter coragem e esperança, e tudo que o elenco do projeto quer dizer está resumido na faixa de abertura: “se o amor chamar, eu vou”.

As protagonistas

Liniker – Do single Cru (2015) ao segundo e mais recente álbum, Goela Abaixo (2019), Liniker tornou-se uma das vozes mais comentadas do Brasil. Suas influências vão do samba de Leci Brandão à soul music de Roberta Flack.

Xênia França – natural do recôncavo baiano, a ex-modelo participou de dois álbuns do rapper Emicida antes de integrar a banda Aláfia. Seu primeiro disco solo foi lançado em 2017, misturando diferentes estilos da música negra.

Letrux – a carioca Letícia Novaes montou com o ex-namorado Lucas Vasconcellos o duo Letuce, que chegou a gravar três discos. Com o fim do relacionamento, ela montou o projeto solo Letrux que já rendeu um disco de estúdio e uma disputada turnê.

Maria Gadú – Com o sucesso do disco de estreia, fez turnês pelo Brasil, ganhou elogios de medalhões da MPB, gravou um disco com Caetano Veloso e, há pouco, avisou que iria buscas novas formas de fazer música fora dos esquemas comerciais.

Luedji Luna – Baiana de Salvador, Luedji é formada em direito, mas cedo trocou a toga pelo trabalho de cantora. Seu excelente disco de estreia, Corpo no Mundo (2017), acumulou prêmios e elogios.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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