Difícil escolher por onde começar esse texto. Poderia ser pelo elenco de cinco cantoras da nova cena nacional que, em sua maioria, militam por seus trabalhos de forma independente. Também poderia ser pelo repertório selecionado com precisão em meio às camadas mais saborosas da música brasileira. Ou quem sabe pelo conceito que levanta bandeiras importantes para o Brasil (e o mundo) atual, fala de amor e luta, mas não perde a ternura de jeito nenhum.
2020 está só começando, mas Acorda Amor já pode ser incluído entre os grandes lançamentos do ano. Parece cedo mesmo, mas um conceito tão bem amarrado, que abre tantos caminhos pra seguir e que, ao mesmo tempo, é tão fluente, pop e radiofônico, tem sido cada vez mais raro em tempos de lançamentos e audições fragmentadas. É por isso que o projeto é precioso.
O passo seguinte foi escolher as vozes e as canções que entrariam no espetáculo. Num cenário fértil de artistas, a escolha recaiu sobre cinco jovens cantoras que representam um novo cenário musical brasileiro. Letrux, Liniker, Luedji Luna, Xênia França e Maria Gadú se misturam, ora como voz principal, ora como vocal de apoio, empregando suas verdades, convicções e afetos em 17 faixas que vão de um esquecido Abigail de Moura (da Orquestra Afro-Brasileira) ao multicultural Francisco, El Hombre. Em tempo: a música que dá nome ao projeto, composição Leonel Paiva e Julinho de Adelaide (ambos, na verdade, são Chico Buarque sob pseudônimo), não está no repertório. Por quê? Porque não.
Cantora de emoção explícita, Liniker acelera a batida de A Vida Em Seus Métodos diz Calma (Di Melo) e recita com cuidado os versos de Chorando pela Natureza (João Nogueira/ P.C. Pinheiro), que, infelizmente, seguem atuais apesar dos seus 40 anos de idade (“As matas sumindo da nossa bandeira/ (…) O branco em guerra está/ E o nosso índio tombou/ Pouca gente lutou”). Um destaque de Xênia França é Assumindo, samba de Leci Brandão, com letra espertíssima, que aqui ganha ares abolerados.
Musicalmente, Acorda Amor já se basta com versões cheias de frescor interpretadas por cinco cantoras de personalidade forte e por uma banda formada por destaques da cena contemporânea, como Fábio Sá (baixo), Guilherme Held (guitarra) e Thiago França (sax). Mas o projeto não se encerra aí. Cada faixa traz sua mensagem, como se eles todos os envolvidos tivessem achado garrafas com bilhetes guardados há décadas – mas que acabamos ignorando por comodismo ou excesso de confiança. Fato que é que é preciso ter coragem e esperança, e tudo que o elenco do projeto quer dizer está resumido na faixa de abertura: “se o amor chamar, eu vou”.
As protagonistas
Liniker – Do single Cru (2015) ao segundo e mais recente álbum, Goela Abaixo (2019), Liniker tornou-se uma das vozes mais comentadas do Brasil. Suas influências vão do samba de Leci Brandão à soul music de Roberta Flack.
Xênia França – natural do recôncavo baiano, a ex-modelo participou de dois álbuns do rapper Emicida antes de integrar a banda Aláfia. Seu primeiro disco solo foi lançado em 2017, misturando diferentes estilos da música negra.
Letrux – a carioca Letícia Novaes montou com o ex-namorado Lucas Vasconcellos o duo Letuce, que chegou a gravar três discos. Com o fim do relacionamento, ela montou o projeto solo Letrux que já rendeu um disco de estúdio e uma disputada turnê.
Maria Gadú – Com o sucesso do disco de estreia, fez turnês pelo Brasil, ganhou elogios de medalhões da MPB, gravou um disco com Caetano Veloso e, há pouco, avisou que iria buscas novas formas de fazer música fora dos esquemas comerciais.
Luedji Luna – Baiana de Salvador, Luedji é formada em direito, mas cedo trocou a toga pelo trabalho de cantora. Seu excelente disco de estreia, Corpo no Mundo (2017), acumulou prêmios e elogios.