Foto: Paulo Tauil/ Divulgação

“Meio bossa nova e rock and roll”, esse verso seria perfeito para definir seu autor, o cantor e compositor Cazuza. Filho ilustre da geração que fez história no rock nacional dos anos 1980, este carioca remexeu muitas de suas influências pra construir uma obra que, ainda hoje, é revisitada por muita gente dos mais variados estilos musicais. Era fã de Caetano Veloso, curtia Deep Purple e Janis Joplin, tinha uma queda por Maysa, conviveu com os Novos Baianos, teve um caso com Ney Matogrosso, era amigo de Renato Russo e Paulo Ricardo, e fez uma das mais belas gravações de Luz Negra, do mestre Nelson Cavaquinho. Isso tudo e mais um pouco era Cazuza.

Somente por isso, não deveria causar estranheza um tributo ao “Poeta Exagerado” que reúne uma refinada cantora de MPB, um baixista com décadas dedicadas ao rock e uma lenda da Bossa Nova. Faz Parte do Meu Show – Cazuza em Bossa foi lançado pela Som Livre no dia 3 de abril, véspera do aniversário de 62 anos de nascimento do homenageado, trazendo Leila Pinheiro (voz e piano), Rodrigo Santos (baixo) e Roberto Menescal (guitarra). Com a primeira parte já disponível nas plataformas de streaming, há planos de também lançar o projeto completo em CD e DVD.

A primeira reunião desse elenco com esse repertório foi em 2018 e já havia a proposta de transformar em disco e turnê. Dois anos depois da estreia, o show que abocanhava 20 canções virou uma gravação com apenas oito faixas, tudo registrado ao vivo nos estúdios da Som Livre, com produção de Luiz Paulo Assunção, direção de Jaques Junior e aval de Lucinha Menezes, mãe e frequente porta-voz de Cazuza.

Faz Parte do Meu Show – Cazuza em Bossa vem cercado de uma série de detalhes, segredos (talvez de liquidificador), pistas que devem ser seguidas antes de ser dito se é bom ou não. Começa com Rodrigo Santos, o mais “cazuziano” entre os ex-membros do Barão Vermelho. O baixista integrou por quase 30 anos a banda que lançou Cazuza ao estrelato, mas acabou saindo para cuidar dos seus projetos solo – que não são poucos. Além disso, o músico de 56 anos é parceiro do ex-The Police Andy Summers, um grande novo amigo de Roberto Menescal. E Menescal foi quem colocou Leila no time da bossa, quando a convidou para gravar o histórico projeto Benção Bossa Nova, em 1989, para o mercado japonês. Lançado depois no Brasil, o disco acabou vendendo mais de 300 mil cópias e associando a cantora a uma renovação desse gênero. No entanto, ela não quis ser de gênero só e voltou revisitar obras inéditas ou não de diversos compositores, como Gonzaguinha, Renato Russo e (tcharan!) Cazuza, de quem já tinha regravado Todo Amor Que Houver Nessa vida em 1988.

Dos três, somente de Menescal não é sabida uma relação mais próxima com Cazuza. No entanto, sendo um homem de gravadora, não é de se estranhar que eles tenham se conhecido em algum momento, uma vez que João Araújo, pai de Cazuza, foi presidente da Som Livre, mesma gravadora que lançou o Barão Vermelho em 1982. Já Leila foi amiga de Cazuza e Rodrigo quase toca com ele no fim dos anos 1980. E, no meio desse novelo de relações, Faz Parte do Meu Show – Cazuza em Bossa nasce apostando num clima intimista, numa gravação cheia de espontaneidade e num repertório que soa sempre fresco, vivo e maduro.

E é esse repertório o ponto alto do disco. O Tempo Não Para ainda faz todo sentido, quando ainda vemos o futuro repetir o passado e ideias que não correspondem a fatos. Da mesma forma, ainda parece que precisamos de uma ideologia pra viver. A homenagem de Rodrigo, Leila e Menescal deve ser vista exatamente assim, como uma justa homenagem. Tudo é bem cantado e tocado, e bastante econômico. Um pecado do projeto é o de pegar oito sucessos avassaladores, como Pro Dia Nascer Feliz e Codinome Beija-Flor, o que já gera comparações de cara.

Faz Parte do Meu Show, escolhida pra abrir o projeto, parece óbvia demais uma vez que já era uma bossa nova. Risco correu Cazuza quando fez desta parceria com Renato Ladeira um dos sucessos do seu disco de 1988. O mesmo vale para Preciso Dizer Que te Amo, já vertida para a bossa pela sua co-autora Bebel Gilberto. Mas, ainda assim, o trio que agora se encontra para homenagear Cazuza coloca suas verdades à prova e o faz com bom gosto. Agora é torcer para que este show aconteça e circule pelo Brasil inteiro, levando os versos de Cazuza para os mais distantes palcos. Nunca eles se fizeram tão necessários.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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