Em 5 de novembro de 2015, aconteceu no município Mariana, Minas Gerais, o rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração controlada pela Samarco Mineração SA, causando uma gigantesca tragédia ambiental e social, uma das maiores ligadas a esse tipo de atividade econômica no mundo. A menos de 200 km de lá, pouco mais de três anos depois, Brumadinho, outro município mineiro, passaria pelo problema quando outra barragem se rompeu. Lá, 259 pessoas morreram, 11 nunca foram encontradas, famílias foram devastadas, e todo um ecossistema foi comprometido, com poucas esperanças de que se recupere.

Relembrando toda a dor causada pelo acidente e pelos descasos políticos que vieram a seguir, Antonio Adolfo puxa para a capa do seu novo disco as sílabas iniciais das duas cidades. Bruma é uma homenagem à música de Milton Nascimento, compositor carioca que teve sua vida e sua música desenhada no relevo de Minas Gerais. Sobre o que mais gosta na música de Milton, Antonio não deixa dúvida: “Tudo! A combinação da composição com o violonista sai daquele padrão estético que a gente está acostumado. E é uma voz incrível”, aponta por telefone.

Feito inicialmente para o mercado internacional, Bruma começou a ser pensado em outubro de 2019. “Eu trabalho da seguinte forma: começo a viajar nas músicas. Sento ao piano e começo a imaginar as músicas com a formação que eu uso. Da época que eu toquei com ele até hoje, o repertório dele cresceu muito e eu amadureci bastante”, explica o músico de 73 anos que conheceu o homenageado em 1967, no Festival Internacional da Canção, que teve como destaque a canção Travessia. “Ele tinha um repertório enorme, mas de difícil acesso para as pessoas. Não era assim uma música popular”, comenta Antonio.

Dono de um currículo extenso, reconhecido internacionalmente, Antonio Adolfo não se preocupou em “facilitar” a obra de Milton Nascimento. Entre cerca de 30 candidatas, ele escolheu nove e deu a elas novos arranjos instrumentais, puxados para o jazz com influências brasileiras. Fé cega, faca amolada foi inspirada nas quadrilhas, enquanto Caxangá virou um afoxé e Canção do sal ganhou um ritmo saltitante de sambajazz. Se Outubro tem sublinhada sua melancolia, Três pontas segue o movimento de um trem veloz. Além do piano de Antonio, o álbum conta com nomes como Lula Galvão (guitarra), Jorge Helder (baixo), Rafael Barata (bateria), Jessé Sadoc e Marcelo Martins (sopros), entre outros. Gravado em cinco dias, Bruma foi concluído na semana em que o Brasil entrou na pandemia do novo coronavirus. “Quando eu saí do estúdio, as ruas já estavam vazias”, relembra o músico.

O tributo a Milton sai ao mesmo tempo que Antonio Adolfo presta outra homenagem importante: ao seu parceiro Tibério Gaspar (1943-2017). Com Leila Pinheiro nos vocais, Vamos partir pro mundo (Deck Discos) reúne 15 faixas da dupla, incluindo sucessos como Teletema e Sá Marina. Assim como Bruma, ele foi gravado em 2019, mas teve o lançamento atropelado pela pandemia. “Mas acho que é um disco que não tem hora, pode ser consumido em qualquer momento”, destaca Antonio.

Antonio e Tibério se conheceram por intermédio de Beth Carvalho e criaram uma das parcerias mais celebradas da música brasileira, que rendeu uma infinidade de regravações por nomes como Ivete Sangalo, Wilson Simonal, Evinha, Stevie Wonder e Elis Regina. Empolgada com o convite, Leila Pinheiro queria 19 músicas no disco. De fato não seria fácil escolher entre tantas canções que ficaram no imaginário popular, mas eles preferiram passear por uma seleção mais plural, que relembra, inclusive, o projeto A Brazuca. “A dupla foi de 1967 até o final de 1970. E fizemos umas 40 até ali, e depois fizemos mais algumas. A gente saía junto, era muito amigo mesmo. Quando teve o problema do BR-3, eu fui pra Europa, o Tibério foi pra Goiânia e a gente parou a parceria. A gente só retomou em 2006. A Evinha acabou gravando a última parceria que a gente fez em 2016”, conta ele se referindo à música Meu canto, presente no disco Uma voz, um piano.

Pra conhecer mais sobre Antonio Adolfo

Feito em casa – Primeiro disco independente do Brasil, feito em 1977 para fugir da fórmula de sucesso exigida pelas gravadoras.

A Brazuca – Formada no fim dos anos 1960, a banda participou de festivais e gravou dois discos que ainda são referência entre DJs pelo mundo.

Chiquinha no Jazz – Homenagem aos 150 anos da compositora Chiquinha Gonzaga, com versões inéditas para Atraente, Lua branca e outras.

Samba jazz Alley – Uma homenagem aos tempos de Beco das Garrafas, com muito sambajazz, bossa nova e improviso de jazz.

Muito na Onda – O antes Trio 3D vira Conjunto 3D o disco apresenta a jovem Beth Carvalho antes de se tornar o nome maior do samba.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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