Foto: Mauricio Valladares/ Divulgação

A linha artística traçada por Herbert Vianna ao longo dos seus quase 40 anos de carreira fonográfica – 37, pra ser preciso – foi marcada por uma busca constante por coerência, maturidade e autoafirmação. Indo ponto a ponto, desde o rock mais juvenil de Vital e sua Moto e Química (versão da Legião Urbana gravada no disco de estreia dos Paralamas do Sucesso) até os futuros encontros com as grandes vozes (intérpretes e compositores) da MPB, ele nunca perdeu um fio condutor que o guiava por uma estrada coerente de poucos erros. Não por acaso, ele revisita canções do início da carreira sem perder o frescor e a leveza. Esse caminho deu ao paraibano nascido em 4 de maio de 1961 a maturidade impressa em composições que foram ganhando profundidade à medida que a idade e as experiências iam chegando. Por fim, a autoafirmação está numa obra em primeira pessoa, com personalidade ímpar e força própria, seja em trabalhos solo ou quando dividida com os colegas Paralamas. A propósito, sendo um caso raro de banda que se mantém unida desde o início, dividir as composições só faz crescer essa força.

Mas isso tudo segue sendo uma busca, uma vez o sucesso desse percurso não é o fim em si e Herbert segue buscando dentro de si as respostas que a arte pode dar. Do último mergulho veio o disco HV Sessions Vol.1, uma coleção de hits do rock internacional dos anos 1960 e 70 vertidos para um formato enxuto, cru, independente, íntimo e particular. Produzido por Chico Neves, o quinto disco solo do vocalista, compositor e guitarrista dos Paralamas do Sucesso segue a linha do anterior, Victoria (2012), que agrupava composições dele que foram gravadas por outras pessoas.

Assim como Victoria, HV Sessions Vol.1 é um trabalho feito de violões, guitarras, teclados, alguns efeitos e muito pouco enfeite. A riqueza está na simplicidade. Não é um disco acústico, nem um disco solitário (dando a devida amarração e acabamento, Chico Neves atua como um músico até quando não está tocando instrumentos como minimoog e harmonium). Ah! Também tem a voz que, mesmo que o próprio Herbert saiba das suas limitações, sempre teve empatia, verdade e beleza.

Aliás, é na verdade impressa nas interpretações que se encontra a maior beleza de HV Sessions Vol.1. A abertura é com o minimoog tocado por Daniel Jobim em Pinball Wizard, clássico da ópera rock Tommy, do The Who. Este único convidado entrou de forma acidental no disco, quando foi ao estúdio gravar outra coisa, deixou essa linha de teclado e Chico achou que se encaixaria da faixa. Só depois de pronta, Daniel soube que estaria no disco.

Se Herbert deixa de lado o terremoto sonoro do The Who pra cantar Pinball Wizard em tons graves, em While my guitar gently weeps ele dispensa a grandiloquência de uma das mais perfeitas obras de George Harrison (e olha que não são poucas!) e foca no essencial. Indo no osso da composição, ele coloca um clima sacro ao combinar sua guitarra com os teclados de Chico. E, no lugar de repetir o clássico solo de Eric Clapton ou (pior!) querer provar que também é capaz de dispensar horas dedilhando seu instrumento, ele retorna à essência e baixa a cabeça em sinal de reverência ao “deus da guitarra”.

Algumas escolhas de HV Sessions Vol.1 ficaram mais simples, com aquela cara de rodinha de violão, fogueira e vinho quente. É o caso de And I love her, balada dos Beatles que Herbert faz com o violão à frente. There’s a kind of rush, uma das muitas baladas fofinhas dos Carpenters, segue a mesma linha e cativa até o coração mais duro. Também na mesma toada, Tempted, da banda britânica Squeeze, é uma belíssima balada rock sobre seguir em frente apesar de tudo, que já ganhou ótimas versões de Joe Cocker e Kid Abelha. Aqui, Herbert mantém o clima doce, a melancolia e a intensidade num jogo de guitarras, voz, vocais e, talvez, o arranjo mais trabalhado do álbum.

E HV Sessions Vol.1 poderia seguir nesse ritmo até o fim que seria ótimo, ganharia algumas curtidas e Herbert Vianna já poderia dizer que acrescentou mais um item à sua gloriosa discografia. Mas não é essa a ideia e é possível buscar mais. E é aí que ele não se esquiva de críticas e comparações trazendo Jimi Hendrix e Carlos Santana para seu disco. Do primeiro, vem nada mais nada menos que Purple Haze, clássico absoluto do gigante da guitarra. Brincando com efeitos e timbres, ele preserva ritmo, dinâmica e empolgação, mas tudo dentro dentro da proposta. Do segundo, ele traz Europa, faixa instrumental lançada no questionável álbum Amigos (1976), do mexicano, que remete aos tempos de faculdade de Herbert e abre espaço pra solos sem muito exibicionismo.

Incluindo ainda Elvis Costello (Opportunity), Cream (Sunshine of your love) e Wichita lineman, que já teve gravações de Ray Charles e Glen Campbell, HV Sessions Vol.1 é resultado de muitas idas de Herbert ao estúdio de Chico Neves entre 2010 e 2011, nas sessões que resultaram em Victoria. Tudo que acontecia ali era gravado e, depois, trabalhado. E é por conta do descompromisso de um dos melhores compositores brasileiros dos últimos 40 anos que esses dois discos são tão sedutores. Tocar pelo prazer de tocar e só. Sem se cobrar muito, Herbert apenas reafirma sua coerência e maturidade.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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