Durante boa parte do ano de 2020, o compositor Isaac Cândido se viu na situação que foi comum a tantas pessoas, a da quarentena. Em casa por conta da pandemia e buscando formas de driblar o isolamento, ele resolveu mexer em velhos arquivos. Papeis com rascunhos de letras, poesias em guardanapos, cadernos amarelados, ideias de melodias e até composições prontas, mas nunca registradas. Mesmo alérgico, ele encarou esses guardados com a intensão de tirar algum proveito.

O resultado dessa volta ao passado é Pra visitar aldeias, que ele lançou esta semana em CD e streaming. O disco chega 10 anos depois de Cândidos, tributo de Simone Guimarães às canções de Isaac, e 15 depois de Algo sobre a distância e o tempo, trabalho dele dividido com o poeta Marcus Dias. A estreia aconteceu em 1995, com o disco Isaac Cândido que reuniu a nata da música local e nacional, incluindo nomes como Arismar do Espírito Santo, Liduíno Pitombeira, Claudio Nucci, Adelson Viana, Alex Holanda e Manassés.

Pra visitar aldeias segue a mesma proposta, embora em menor proporção. “A nata da música local e nacional” é (bem) representada por Thiago Almeida, responsável pela produção, gravação, arranjos e execução de 99% dos instrumentos – o outro 1% deve-se aos violões de Cainã Cavalcante em Tuas mãos e do próprio Isaac em Maria e o mar.

O resultado é um trabalho com uma cara que reflete bem a personalidade artística dos seus autores. Autor de melodias densas e interpretação imersiva, Isaac achou uma afinação nova para um velho violão e saiu desembestado a compor o que refletisse o seu agora. Coube a Thiago registrar, organizar e, sempre que preciso, desorganizar onde fosse necessário. Caso de Inexoravelmente, parceria de Isaac com Henrique Beltrão, que vai mudando de clima, convida a dançar, pede calma, aperta e alivia. Com liberdade de criar sobre as composições, Thiago foi criando ideias, inserindo sons e trazendo cada canção para seu mundo.

Pra visitar aldeias tem 12 canções, grande parte delas criadas durante os meses de isolamento. Uma dessas é Loucura, com versos contundentes e inspirados de Marcus Dias (“A loucura é como um vírus que se espalha de repente e a gente vai mudando lentamente o nosso jeito de pensar”). As imagens que ilustram o disco foram tiradas em Guaramiranga e trazem como “modelo” Iago Cândido, filho de Isaac que ainda canta em A casa nossa. Outros dois convidados são Davi Duarte e Indiana Nomma. Ele, amigo de longa data, canta em Outra estação, e ela, cantora hondurenha, aumenta a densidade de Noite em mim.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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