A orquestra em cena (Foto: Divulgação)

Por Célio Albuquerque

Criada em 2006, em Barcelona, na Espanha, pelo maestro Joan Chamorro, a San Andreu Jazz Band, a big band mais jovem produzida na Europa, vem se notabilizando, ao longo dos anos pelo talento de interpretar alguns dos maiores standard do jazz mundial e, por incluir em seu repertório muita música popular brasileira. Não apenas, sucessos da Bossa Nova, como Chega de Saudade (Tom/ Vinícius), O Pato (Jayme Silva/ Neuza Teixeira) ou O Barquinho (Menescal/ Bôscoli). Mas também pérolas como Saudade da Guanabara (Moacyr Luz/ Aldir Blanc/ Paulo César Pinheiro), Baião de Quatro Toques (José Miguel Wisnik/Luiz Tatit), Dança da Solidão (Paulinho da Viola) e Farol da Barra (Galvão e Caetano Veloso) e Diz Que Fui Por Aí (Zé Keti/Hortêncio Rocha). A San Andreu também tem uma página no Facebook e o canal de Chamorro no Youtube com vídeos da banda e das formações oriundas dela.

Entre os anos de 2010 e 2012, o diretor Ramon Tort produziu um documentário sobre a San Andreu chamado A Film About Kids And Music (“Um filme sobre crianças e música”) que relata, com belas imagens, um pouco do dia a dia da big band, com cenas envolventes, como as que podem ser assistidas nesse compacto.

Formada por jovens, a maioria entre 8 e 20 anos, vários deles multi-instrumentistas, a SAJB é a realização de um sonho de Chamorro, um multi-instrumentista que tem focado sua performance mais no contrabaixo de pau. “Ela é a realização de um sonho. É o resultado de compartilhar com seus componentes minha paixão pelo jazz. Acredito que eles podem fazer o mesmo ou melhor do que eu. Não me sinto o professor, mas o aluno mais avançado”, diz o maestro. Ao longo de seus 15 anos a SAJB participou de dezenas de festivais de jazz, gravou CDs e se desdobrou em diversas formações, sempre arrebatando as plateias.

Há anos, a big band mais jovem da Europa tem a música brasileira em seu repertório, paixão de Chamorro e particularmente de sua cantoras (e multi-instrumentistas). O repertório pode ser conferido nas principais plataformas digitais e no Youtube. A discografia da San Andreu e de algumas de suas componentes – como Andréa Motis, Èlia Bastida, Rita Payés, Joana Casanova e Alba Armengou – pode ser conferida no site. Todas as cantoras citadas têm músicas brasileiras em seu repertório. Andréa Motis, que tem um documentário sobre sua carreira lançado em DVD, e já dividiu o palco com Milton Nascimento, em seu mais recente álbum, intitulado Do outro lado do Azul (2018) é repleto de canções brasileiras como Antonico (Ismael Silva), Filho de Oxum (Roque Ferreira), Pra que Discutir com Madame (Janet de Almeida/ Haroldo Barbosa), Dança de Solidão (Paulinho da Viola), Saudades da Guanabara (Moacyr Luz/ Aldir Blanc), Samba de Um Minuto (Rodrigo Maranhão/ Roberta Sá) e Baião de Quatro Toques (Luiz Tatit/ Zé Miguel Wisnik).

A trompetista e saxofonista Andrea Motis foi a primeira cantora da San Andreu Jazz Band (Foto: Carlos Pericas/ Divulgação)

Roberto Menescal e Moacyr Luz, dois dos compositores interpretados pela big band e pelas diversas formações oriundas dela, ouviram e aprovaram. “É sempre importante ver sua música indo para o exterior, alcançando um público diferente. É sempre um motivo de orgulho para o compositor. Se tratando de Saudade da Guanabara é mais emocionante. É uma música cercada de palavras que têm sentidos diversos. Você escuta pessoas que falam outro idioma cantando ‘plantei Ramos de Laranjeiras’, a pessoa gostar e talvez não perceber que Ramos é um bairro e Laranjeiras é outro bairro, nem só ramos e laranjeiras de frutas, gravar, incluir no show..  é realmente, emocionante”, destaca o compositor Moacyr Luz. E, Menescal cravou: “Acompanho tudo que posso do Chamorro, as cantoras que ele lança, os músicos com quem ele toca. O Barquinho também ficou muito bom, os arranjos… Ouço tudo. Muita bossa nova, muito jazz. Isso é um alívio para os ouvidos da gente”.

Confira a conversa virtual com Joan Chamorro sobre a história da San Andreu e sua relação com a música brasileira.

– Qual é a sua formação musical? Onde você estudou? Além do contrabaixo, quais instrumentos de sopro você toca?
Chamorro – Comecei a estudar música aos 18 anos, embora tocasse um pouco violão e gostasse de cantar. Iniciei com o saxofone em uma escola de música moderna chamada Taller de Musics, em Barcelona, e, ao mesmo tempo, estudei música clássica com o professor Adolfo Ventas. Sou barítono e saxofonista tenor. Também toco clarinete, clarinete baixo e flauta transversal. Nos últimos 12 anos o instrumento que mais toco é o contrabaixo, que aprendi de forma autodidata. Eu também toco corneta.

– A Sant Andreu Jazz Band completa 15 anos em 2021. Como tudo começou? Algum dos membros do início ainda continuam a tocar na Sant Andreu Jazz Band?
Chamorro – Começamos em uma escola municipal de Barcelona, e em 2012 saímos da escola. A partir desse momento, somos totalmente independentes. Já se passaram por nossa big band mais de 60 jovens entre 6 e 22 anos. Todos os músicos que passaram continuam a suas carreiras individuais depois de saírem da orquestra. E alguns deles continuam colaborando, fazendo shows e gravando álbuns conosco.

– Em aproximadamente quantos festivais de jazz vocês participaram ao longo desses anos?
Chamorro – Com a Sant Andreu Jazz Band, temos participado em muitos festivais na Espanha. Também tocamos na França, Suíça, Suécia, Itália, Alemanha e Dinamarca. Fomos convidados para países como África do Sul, Colômbia, Argentina, Brasil… Mas, por motivos econômicos, as viagens não foram realizadas.

– A Sant Andreu Jazz Band é uma escola de música?
Chamorro – É um projeto que dirijo no qual os meninos e meninas que fazem parte não pagam nada, nem mensalidades, nem aulas, nem ensaios, nem viagens… Não temos nenhum tipo de ajuda e podemos continuar fazendo o que fazemos porque temos shows e a renda vai para podermos continuar com todas as nossas atividades. O meu salário e o da pessoa que me ajuda vem dessa renda. Blanca Gallo é quem me ajuda em todo o projeto ao nível da organização, contato com festivais, comunicação, gestão econômica, etc. Com a receita conseguida, podemos fazer discos e vídeos e convidar grandes músicos de jazz para virem tocar conosco. Também encomendamos arranjos originais para nós.

– Qual é a rotina de teste do SAJB? E como eles compartilham as diferentes formações que dela emergiram?
Chamorro – Procuramos manter nossas atividades ao longo do ano. Às segundas-feiras, ensaio de trombone e aulas de improvisação com eles. Às terças-feiras, ensaio da seção de trompete e depois do saxofone. Também algumas aulas individuais. Quartas-feiras aulas individuais e ensaio geral para todo o grupo. Quintas-feiras, ensaio da seção. Quando temos um show ou gravação importante, também ensaiamos nos finais de semana. Nossa sede é minha casa, a casa de jazz, que adaptei para poder ensaiar e gravar lá.

– Existem muitos jovens instrumentistas na Sant Andreu, e vários deles são multi-instrumentistas. Como você analisa isso?
Chamorro – Minha principal inspiração é Scott Robinson, um multi-instrumentista que mora em Nova York e toca com pessoas incríveis como a orquestra Maria Schneider, Joe Lovano… Ele toca muitos instrumentos e estilos diferentes. Quando o conheci pensei: “é assim que quero viver a música”, e assim eu ensino meus alunos. É por isso que muitos deles são poliinstrumentistas. A voz, para mim, é um instrumento muito importante. Nas minhas aulas de instrumentos, sempre cantamos tudo o que tocamos. As escalas, os modos, os solos dos músicos que admiramos, as canções, as improvisações, etc. etc. No final, muitos dos alunos também fazem da voz o seu instrumento. Essa é a razão pela qual tantos cantam.

– Curiosamente, eu não ouvi ou nenhum jovem do sexo masculino cantando no SAJB. Por quê?
Chamorro – Sim, houve e há, mas também é uma questão de referências. No mundo do jazz também acontece que há muito mais mulheres do que homens que cantam. Eduard Ferrer, saxofonista que gravou algumas músicas, estava na Sant Andreu. Agora temos Joan Martí, Koldo Munné e mais alguns que aos poucos são incentivados a cantar.

– Vários dos jovens instrumentistas também se mostram cantores. Fala sobre cada um deles.
Chamoro – A primeira a cantar foi Andrea Motis (trompetista e saxofonista). Com ela gravamos vários álbuns. Ela começou conosco, desde o início, quando tinha 10 anos. Andrea tem uma voz cheia de magia que foi evoluindo ao longo dos anos, sua voz é harmoniosa e doce e ela sabe brincar com o tempo, quando canta as melodias, impregnando seu jeito de cantar com muito suingue. Hoje, Andrea Motis é conhecida internacionalmente, e fazemos shows com seu quinteto em todo o mundo. Alba Armengou, trompetista e cantora com um belo álbum de apresentação e com quem planejamos gravar um álbum todo com músicas do Brasil. Triste é uma das gravações que mais gosto na voz dela. Élia Bastida, violinista, saxofone tenor e cantora, também com um amor especial pela música brasileira. O violino é seu instrumento principal, mas tanto com o sax tenor quanto com a voz ele estão conseguindo coisas mais belas. Doralice, é meu tema favorito de Elia. Joana Casanova, com uma voz muito especial, com uma predileção especial pelo soul e pela música country. Ela também é uma boa saxofonista. Mood Indigo é uma música legal que ele gravou conosco. Alba Esteban, saxofone barítono, alto, soprano e clarinete, que também canta e se torna melhor e mais autêntica a cada dia que passa. I cried for you, do álbum La magia de la Veu & Jazz Ensemble (é um exemplo). Eva Fernandez, saxofonista, tem uma voz muito emotiva. A gravação dela que mais gosto é My Ideal. Magali Datzira, contrabaixista, tem uma voz muito Billie Holiday. Unchain My é uma das músicas que ela canta que mais eu gosto. Rita Payés, trombonista, tem muitas músicas super legais, e tem uma ótima personalidade para cantar. É muito profunda e tem um alcance de voz maravilhoso, cheio de nuances. Gravou Flor de Lis, do Djavan, entre outras músicas brasileiras. Antes tínhamos vozes como Paula Berzal, trombonista que cantava algumas músicas ocasionalmente, como Rosetta; Helena Pañart (saxofonista); Edu Ferrer (saxofonista, Isso é tudo é uma linda música que gravou com a gente), Amante de Abril Saurí (bateria e cantora); e Elsa Armengou (ela começou com a gente quando tinha 6 anos) é uma trompetista muito boa e também saxofonista.

– Como surgiu a aproximação de vocês com a música brasileira ? Além de bossa nova, vocês tocam ao vivo e em gravações, músicas de Chico Buarque, Djavan, Dona Ivone Lara. Qual o critério para as escolhas das músicas? Em algumas músicas, especialmente ao vivo, como O Pato, que foi gravada por João Gilberto, assim como Águas de Março, Saudades da Guanabara e Construção, percebe-se um entusiasmo entre os participantes. Fale sobre isso.
Chamorro – Sempre gostei de música brasileira, mas a primeira gravação que fizemos foi Chega de saudade, de Tom e Vinícius, no disco Joan Chamorro presenta Andrea Motis (2010), onde também foi gravada Manhã de Carnaval (Luiz Bonfá/Antônio Maria). Daí surgiram outras canções da bossa nova. Com a San Andreu, a primeira música que gravamos foi Águas de Março, com Rita Payés e Alba Armengou. Desde então, cada vez mais apresentamos mais canções de todos os autores que você cita. Adoramos fazer novos arranjos dessas canções maravilhosas. A possibilidade de improvisar e evoluir através de solos e contar com a participação de músicos incríveis como Scott Hamilton ou Joel Frahm tem sido um sonho para nós. Principalmente Alba Armengou, Andrea Motis e Èlia Bastida (Obs.: é dela a interpretação de O Barquinho, que arrebatou Menescal) têm um grande amor pela música brasileira. No momento continuamos descobrindo novas canções, novos autores e a intenção é continuar interpretando novas melodias do Brasil.

– Alguns compositores vivos, como é o caso de Moacyr Luz e Roberto Menescal, viram e ouviram as interpretações de vocês, e gostaram.
Chamorro – Não tínhamos conhecimento de que alguns dos autores das canções que gravamos possam nos conhecer. Para nós é um enorme orgulho e felicidade se eles nos ouvem e gostam de nossas versões de suas canções. É algo maravilhoso… Obrigado!

– Que tipo de música você vê em sua orquestra mais animada para tocar ou ao vivo, para não se divertir?
Chamorro – Todo ano mudamos o repertório de canções, já que todo ano gravamos novos discos. Se eu tivesse que destacar cinco músicas que mais tocamos e com as quais gostamos mais, as músicas brasileiras seriam: Águas de março (Tom Jobim), Doralice (Dorival Caymmi/ Antônio Almeida), Triste (Tom Jobim), Construção (Chico Buarque), Meditação (Tom Jobim/ Newton Mendonça).

Célio Albuquerque é jornalista e morador do Rio de Janeiro. É organizador do livro 1973 – O ano que reinventou a MPB (Ed. Sonora)

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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