Edinho VIlas Boas

Por Hamilton Nogueira, Jornalista

Edgleryton. Esse nome seria dado a uma das crianças de duas amigas que ficaram grávidas na mesma época. Duas “Lúcias”, por sinal. Uma Lúcia em Fortaleza e outra Lúcia em São Paulo. A de São Paulo trouxe à tona o nome Edgleryton, tirado não se sabe de onde. Mas optou, nove meses depois, por batizar seu rebento de Evanoé. A Dona Lúcia de Fortaleza não desperdiçou a inventividade da amiga paulistana e, então, foi assim que o mundo cumpriu a sina de ter um Edgleryton. O único, talvez, a não ser que o Google não tenha sido eficaz em sua busca.

E foi ouvindo violão do pai, do avô e da tia, que Edgleryton foi dando lugar ao Edinho, no caso, Vilas Boas. Com o novo nome e as aulas de Rogério Lima veio chegando um dos músicos mais talentosos, sutis, leves e afinados do cenário musical cearense.

“Meu pai, vendo a aptidão, me colocou para estudar violão clássico com o Rogério. Depois estudei flauta doce, transversa e fui seguindo”. Como escolas são muitas na vida das pessoas, na conversa que tive com o cantor percebi três grandes momentos de intensa aprendizagem: a família, o colégio Marista Cearense e a Galeteria Portugal – a qual frequentei muito, no bairro da Parquelândia, durante minha juventude, mas não lembro de ter visto Edinho por lá em suas inúmeras apresentações.

“Na Galeteria Portugal toquei durante 8 anos. Os donos eram pais de um amigo, Daniel, do Marista, aos quais fui apresentado. Eles gostaram do que apresentei e nos deram dinheiro para que fôssemos na Rua Pedro Pereira comprar equipamentos. Resultado é que passei todos esses anos tocando, ampliando meu repertório que era muito pequeno. Tinha uma mesa que se formava sempre com as mesmas pessoas. Eles pediam umas músicas de muito bom gosto que eu não conhecia. E isso me forçou a avançar”, diz.

Essa mesa de anônimos passou a presenteá-lo com fitas cassetes para que ele extraísse as músicas. Deu certo. Mas além do próprio deleite, ajudavam a formar uma merecida e sólida “paixão pela música brasileira”, derrama-se.

Outra fase marcante começou antes da Galeteria. Era 1991 e Edinho entrou para o já citado Marista Cearense. Vinha do Colégio Lourenço Filho, onde a roda de violão era prazer. Mas no Marista foi o salto. Lá, não sabe como, se viu envolvido com a banda do colégio. “Não sei como isso chegou até mim”, diz. Creio eu que tenha a ver com aquelas obviedades da vida. Aquela coisa da água só correr para o mar. Então tocavam nas missas e nas festas.

Edgleryton regista 43 anos de idade em agosto de 2021. É casado com a professora e orientadora pedagógica Keyla Barbosa e tem três filhos: Yayá (21), Vinícius (16) e Lia (11). Yayá é um capítulo à parte porque o forte talento impõe uma terceira referência ao Edgleryton, que além de Edinho, também passa a ser citado como o pai da Yayá. Não é fácil. A cacofonia existe, mas as marcas vão se associando porque todas essas pessoas passam muita profundidade na forma como trilham suas carreiras. Logo, “aquele é o Edinho Vilas Boas que é pai da Yaiá”, é uma frase quase que obrigatória para quem olha para o palco. E se o som da frase é ruim porque trava a língua, o som da dupla é espetacular.

Constatei a qualidade musical de Edinho Vilas Boas, ou do pai da Yayá, em meados de julho, no bar Fuxiko na Cidade 2000. O local é um desses lugares em Fortaleza que apostam na qualidade. Edinho voltou a esse tipo de apresentação em função da pandemia, que restringiu os shows, diminuindo consideravelmente as opções de contato com o público.

Sentei-me lá, por acaso, com gente importante pra tratar de trabalho, mas eis que o vejo subindo ao palco para encantar e cantar Sonhos (Peninha), numa levada jazzística, e a belíssima Palavra de Amor, de Manassés e Fausto Nilo. E dar um encadeamento brilhante entre Beira Mar (Ednardo) e outras músicas, além de cantar a autoral De maré em maré, feita em parceria com Jefferson Portela. Nesse dia, infelizmente, o pai da Yayá não estava acompanhado da Yayá, mas sim do baterista Flávio Figueiredo.

As quase tês horas de apresentação mostraram um violão muito bem executado, uma voz muito afinada, uma interação perfeita com a bateria e um repertório de alta qualidade com direito a João Bosco, Chico César e Maria Bethânia, em cuja vez ele simula a voz com curiosa e divertida similaridade. Não fosse a qualidade do todo, essa parte poderia ser o ponto alto da noite.

Pois bem, o pai da Yayá, e a própria, vão se apresentar em agosto no Cineteatro São Luiz no projeto Dentro do Som, mas ele vive mesmo é dentro “do universo da composição”. “Vivo exclusivamente de música, em estúdio, em apresentação. Jingle eu estou fazendo pouco. Agora estou gravando o disco do Luciano Franco. E tenho atuado muito como intérprete”, responde quando instado a dizer como é seu dia a dia.

Se a Galeteria Portugal deu volume ao artista, o exercício da criação quem deu foi a participação em festivais. “Não sei dizer quantos que participei. Tenho que dizer agora?”. Não, não precisa dizer agora. Basta dizer que foram vários. “Fui o melhor interprete do Festival Certame da Canção do Conservatório de Tatuí em São Paulo. No Festival de Pedra Branca eu não tinha colocado música e eles me chamaram pra interpretar O mapa da fome está na minha cara, de Gessé Rodrigues – um compositor local. Eram várias categorias e fiquei em primeiro lugar na categoria município”, comenta.

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Edinho Vilas Boas gravou três discos. Hoje à noite foi o primeiro, “que mistura músicas muito bonitas com músicas para agradar nas rádios. Hoje eu não faria mais isso” – este com a luxuosa participação de Dominguinhos e do guitarrista Lu de Souza. Em seguida veio Vida, voz e violão, gravado no SESC Iracema, e por último, Retumbante, que ele julga mais maduro.

“Minha vida sempre foi muito naquele corre de vamos fazer. Isso tem um preço. Muitas vezes leva a gente a se arrepender de algo. A música que dá título ao disco Retumbante é muito simples, me orgulha muito, é uma espécie de grito, uma coisa africana, dois acordes apenas. Lá eu consagro algumas parcerias. De maré em maré também é uma música forte”, diz livremente.

Retumbante tem pré-produção de Júnior Finnis, com Rafael Magoo na guitarra e Anfrísio Rocha, do estúdio Som do Mar que fez a mixagem do disco. E detalha “Essas duas músicas foram compostas em Portugal numa turnê que tive oportunidade de fazer em 2007 com Adriano Azevedo, baterista, e participação de André Rocha, percussionista, além de Netinho de Sá no contrabaixo e do tecladista Robson Gomes.

“Eu componho muito”, diz Edinho. “Tem a bossa O querer que convidei os mestres Tito Freitas e Luizinho Duarte. Tem o bolero Pra sempre luz que Marcos Lessa gravou. E faço muita música com Raul Maxwell, que é um gaúcho de Santa Maria. Nunca nos vimos pessoalmente, mas tem música nossa que foi para o Festival Nacional da Canção”.

Edgleryton é fruto da mistura de um baiano e uma cearense. Ele retoma uma das minhas primeiras perguntas para enfatizar que sua formação foi no IFCE (Instituto Federal de Educação), onde estudou com Carlinhos Crisóstomo e Maestro Costa Holanda, Cecília do Vale, entre outros e outras. É portanto, técnico em música, registre-se.

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Edinho Vilas Boas não abre mão da boa música e diz: “já briguei muito com a noite” porque “não quero me atualizar”. Por atualizar devemos entender ceder aos apelos de um certo modismo efêmero. Ele tem meu apoio.

“Eu vou procurando agradar com o que as pessoas conhecem de repertório antigo”. Acho que ele não vai procurando, mas sim conseguindo. Acerta também ao não se “atualizar”, e seguir seu caminho divulgando a boa música brasileira para a nova geração que está ajudando a colocar no mundo, inclusive com imenso orgulho de ser o pai da Yayá. Olha a cacofonia!

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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