A pandemia deu mais força a um problema conhecido mundialmente: as fake news. Elas invadiram as escolas e desafiam os educadores.

 

Uma criança recebe em seu WhatsApp o link para a seguinte matéria: “Chá de abacate com hortelã previne o coronavírus”. Em um país com tradições preculiares, não é de se duvidar que essa informação possa ser encarada como verdadeira, mas não é o caso. É uma fake news! Inclusive, esta é a mais compartilhada no país atualmente, segundo a Delegacia de Repressão aos Crimes de Internet do Rio de Janeiro.

Hoje, vivemos uma infodemia, ou seja, uma proliferação de notícias falsas, sendo quase impossível localizar  seu ponto de partida e para quem estão sendo compartilhadas. E os dados não são nada bons. Segundo estudo realizado pelas empresas Kaspersky e Corpa, no Brasil, 62% da população não sabem reconhecer uma fake news. Ainda segundo a pesquisa, apenas 2% dos latino-americanos as consideram inofensivas e 42% dos brasileiros ocasionalmente questionam o que está recebendo.

Como os números apontam, todos nós somos alvos fáceis, inclusive as crianças. Por isso, o cuidado deve ser maior, pois essa criança que recebeu a notícia sobre o chá milagroso não terá discernimento para saber que se trata de uma fake news.

As fake news nas escolas

As fake news nas escolas são realidade e trazem prejuízos sérios ao aluno. Se determinada notícia envolver algum discente, isso transforma-se em bullying. As consequências já são conhecidas. Uma notícia falsa também cria uma nova informação na cabeça da criança, contrariando aquilo estudado outrora. Além disso, fortalecem a polarização existente no país, que reforça a deslegitimação da imprensa e do trabalho jornalístico e a reprodução de discursos extremistas.

A escola é, portanto, o ambiente ideal para ajudar a conter esse vírus. Já existe um caminho: a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).  O documento orienta a construção dos currículos das redes e escolas do país. Na parte dedicada a Língua Portuguesa, para o Ensino Fundamental – Anos Finais, há o campo “jornalístico-midiático”, onde estão os objetivos de aprendizagem referentes a leitura e análise crítica das mídias.

Especialista Patricia Blanco discute sobre o combate a fake news nas escolas

Patricia Blanco: “Não podemos separar a cidadania digital da cidadania da vida real”.

Para Patricia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta, tal inclusão é um passo importante para a Educação, já que denota um entendimento de que essas competências são essenciais para o cidadão do século 21. “Não podemos formar um jovem na escola básica sem que ele aprenda a diferenciar gêneros jornalísticos, diferenciando uma reportagem de um editorial, por exemplo, e sem que ele seja capaz de questionar a origem e a veracidade de uma informação que recebe via WhatsApp. Se isso acontecer, estaremos falhando como sociedade”, conclui.

Mesmo documentado, a luta não é fácil. Isso porque a formação docente, segundo Patrícia, não é voltada para a cultura digital e a educação midiática. “Apesar da internet estar presente na vida de quase todos nós o tempo inteiro, faltou discuti-la de maneira pedagógica com toda a comunidade educacional, trazendo à tona as oportunidades de aprendizagem e os riscos que ela traz”, comenta a especialista.

Possibilidades de combate

A luta é difícil, mas não impossível. Muitas redes e escolas buscam formas de contribuir no combate às fake news nas escolas, desde o fortalecimento do currículo a campanhas de conscientização. É o caso do Colégio Marista Arquidiocesano, que realiza campanhas com toda a comunidade escolar, conscientizando-a sobre o uso seguro e responsável das mídias digitais. No dia a dia das escolas da rede, segundo o Diretor-Geral da instituição, Carlos Walter Dorlass, “em todos os componentes curriculares, os professores problematizam e debatem a confiabilidade de informações e procuram fontes confiáveis para desenvolver o trabalho com os alunos”.

Combate a fake news nas escolas

Rede Marista realiza formações de letramento digital para seus professores possam lidar com a temática.

Buscar o apoio na BNCC é a principal estratégia. Por isso, a escola investe na formação crítica do estudante e fomenta o espírito investigativo. “Dessa forma, propõe em diferentes momentos o trabalho com diferentes fontes de um mesmo tema. Então, diante de um tema, sobretudo os polêmicos, promove a conferência da informação em fontes confiáveis. Como exemplo, cito o trabalho com potenciação, em matemática (6º ano), no qual se aplica o conceito para demonstrar a força da propagação de fake news e os riscos implicados nisso. Em Língua Portuguesa, elaboram o gênero notícia e debruçam sobre a construção do texto”, explica o diretor.

Sob outra ótica, Juliano Costa, vice-presidente de produtos educacionais da Pearson LATAM, acredita que o momento atual é bastante propício para o debate mais intenso com os alunos e, para isso, pode-se valer de várias estratégias para esse combate. “Para evitar que o distanciamento da sala de aula e a preocupação com a pandemia impactem o engajamento de crianças e adolescentes com a aprendizagem, o professor pode usar recursos digitais simples de forma a manter a proximidade com os estudantes e associar a temática atual a assuntos estudados na escola”, afirma Juliano.

O professor Juliano enumerou cinco dicas para professores abordarem o tema e fortalecerem o combate a fake news nas escolas. Com isso, é possível transformar os pequenos em combatentes. Você pode conferir as dicas clicando aqui.  

“Preparar os alunos para identificar notícias falsas neste momento, além de desenvolver sua capacidade de análise crítica, pode torná-los multiplicadores de conhecimento, contribuindo para que seus familiares e amigos não disseminem esse tipo de informação prejudicial”, é o que defende o professor Juliano.

E na prática?

No dia a dia, algumas ações são válidas, como a criação de grupo de mensagens, a comparação de notícias falsas com verdadeiras, a promoção de debates e o confronto com conteúdos vistos anteriormente em sala de aula.

Para além disso, Patricia Blanco, que atua difundindo o uso da comunicação como ferramenta de desenvolvimento, defende que é preciso tirar a BNCC do papel. Isso porque o documento trata da educação midiática e temas como mídia, jornalismo e universo digital.

“Entre as competências gerais que os alunos devem desenvolver, por exemplo, constam comunicação e cultura digital, que dialogam com isso de que estamos falando. Hoje você pode usar um meme para discutir artes e história, levando o aluno a visitar o acervo digital do Museu do Louvre, por exemplo. Por isso, acredito que se colocarmos a BNCC em prática, teremos uma geração de cidadãos mais conscientes e críticos para atuar com ética e responsabilidade no mundo conectado”, reflete.

Pensando na formação em educação midiática, o Instituto Palavra Aberta lançou o EducaMídia, que, para Patrícia,  “nasce da sensação de que a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa só podem ser garantidas, no contexto em que estamos, se toda a sociedade se comprometer com o combate ao fenômeno da desinformação”. O programa aposta na formação de professores e estudantes da Educação Básica e na produção de conteúdo didático e informativo.

Outro conteúdo desenvolvido pelo Instituto é a websérie “Jornalismo: Conhecer para Defender”. Nela é mostrado o caminho da notícia nas redações. “Neste momento em que recebemos tanta informação e de tantas maneiras, com graus variados de confiabilidade, é importante “abrir a cozinha” e mostrar como o jornalismo é feito, como se diferencia de outros tipos de conteúdo e sua relevância para a democracia”, comenta Patricia.

Nativos digitais?

As crianças e os jovens de hoje em dia são conhecidos como “nativos digitais”, no entanto a expressão tem sido bastante criticada por pesquisadores, pois passa a imagem de que elas já nascem com as habilidades necessárias para lidar com tecnologia e suas peculiaridades, como o grande volume de informação.

E é aí que está o papel da escola. Patrícia defende: “ela forma cidadãos e, hoje, quando falamos em cidadania, não podemos separar a cidadania digital da cidadania da “vida real”, por assim dizer. Isto porque as duas dimensões são inseparáveis – o mundo digital é o nosso mundo, a nossa realidade, e a criança precisa entender isso desde bem pequena”.

As fake news já existiam antes da pandemia e vão continuar existindo quando tudo passar. Por isso há a necessidade de educadores de mundo afora investirem mais em educação midiática e buscarem subsídios para combater as fake news. Agindo assim, estarão fazendo do ambiente escolar – e mesmo o familiar – um espaço de informação, não de contaminação.

About the Author

Eduardo Siqueira

Um jornalista que ama Educação. Minhas experiências me fizeram imergir no universo da Educação, sentindo todo o seu poder transformador e percebendo o quanto ela ainda precisa de apoio. Aqui, busco fazer minha parte e ajudar as pessoas a compreendê-la nem que seja um cadinho.

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