No ensino médio da Escola Estadual Maurício Murgel, em Belo Horizonte, uma sequência de gestos pode explicar, por exemplo, a diferença entre ligações covalentes e iônicas nas aulas de química. Nas turmas, estudantes e professores se comunicam tanto em português quanto na Língua Brasileira de Sinais (Libras), já que nas classes há alunos surdos e pessoas sem qualquer limitação física ou intelectual.

O cenário reflete os esforços para a inclusão de estudantes com deficiência em turmas mistas nas instituições de ensino públicas e privadas mineiras. Nos últimos dez anos, triplicou o número de crianças e adolescentes nessas condições matriculados em escolas comuns. O salto foi de 28 mil para 83 mil.

O incentivo à criação de classes mistas é previsto no Estatuto da Pessoa com Deficiência, aprovado em 2015 como lei federal. Mas, ainda que a medida seja observada nas salas de aula, a inclusão dessas pessoas no ambiente acadêmico segue como um grande desafio. Falta de apoio especializado, despreparo da comunidade escolar, infraestrutura precária e turmas lotadas são alguns dos problemas apontados pelos estudantes, pedagogos e entidades de defesa dos direitos dessa população.

Avanço
“A inserção no ensino regular é um grande avanço que democratiza os direitos das pessoas com deficiência”, afirma a coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos e Inclusão da PUC Minas, Carolina Resende. Para ela, as classes inclusivas representam o primeiro passo para o fim do modelo de escolas só para deficientes, o que ela classifica como “segregação institucionalizada”. Mas Carolina acredita que as redes de ensino ainda não estão preparadas para receber esses alunos.

A professora, que trabalha com a capacitação profissional de pessoas com deficiências diversas, conta que a maior parte delas termina o ciclo da educação básica com severos déficits de aprendizagem, dificultando a inserção nos níveis de ensinos técnico e superior. “Muitos não estão nem alfabetizados”.

Referência
Dos 2 mil estudantes da escola Maurício Murgel, 47 possuem deficiência e estão em classes mistas. As aulas são ministradas em voz alta e traduzidas por um intérprete de Libras, facilitando ao aluno o entendimento do que é dito.

Pela primeira vez, Edson Marques Sabino, 17 anos, estuda em uma escola comum. Deficiente auditivo, ele afirma que está se desenvolvendo mais rápido agora. “Aprendo melhor do que na escola especial”.

Começar a conviver com ouvintes representa, para Edson, o desafio de conhecer uma nova cultura. “Estranhei um pouco no início, mas é importante termos essa troca. O contato com ouvintes é bom para evoluirmos na sociedade e é essencial estarmos juntos. A inclusão está acontecendo aqui”, observa.

Aprendizado de qualidade é entrave na inclusão de estudantes

O principal entrave para a inclusão nas escolas comuns é o aprendizado de qualidade. A falta de preparo para atender às necessidades de Miriam do Couto, de 16 anos, foi o que levou a adolescente cega a largar a escola em que estudava, em Alvinópolis, região Central do Estado. Nenhum dos docentes sabia ler braille e a estudante não tinha apoio em sala de aula.

“A professora explicava a matéria para os outros alunos, eles escreviam tudo no caderno e eu ficava jogada em um canto, sem aprender nada”, conta. Hoje, Miriam é aluna do Instituto São Rafael, escola especial que atende deficientes visuais na capital mineira.

A entidade oferece cursos de capacitação, produz material em braille e em tinta para o ensino comum e dá suporte para instituições regulares. Diretora do São Rafael, Juliany do Amaral acredita que as instituições especializadas devem apoiar as práticas de inclusão na rede comum. “A inclusão não veio para fechar as escolas especiais. Somos aliados. Podemos e devemos ajudar a orientar os profissionais das instituições regulares a inserir os alunos com cuidado”.

Preconceito

Além de um ambiente com infraestrutura precária, a deficiente visual Emilly Carvalho, de 13 anos, teve que conviver com o preconceito dos colegas em uma escola comum. “Sofri muito bullying depois de ficar cega. As pessoas da sala jogavam bolinha de papel em mim, pegavam meus materiais e saíam correndo. Eles deviam ser mais compreensivos e gentis”.

Com a situação hostil, a mãe da menina se viu forçada a transferi-la para o São Rafael. Leila Aparecida Silva, de 39 anos, lamenta que a filha não tenha conseguido seguir em uma classe mista pelo despreparo da instituição.

“Seria ótimo se a Emilly pudesse socializar com alunos videntes (que enxergam), mas essa inclusão só existe no papel, não há qualquer trabalho de orientação aos estudantes e professores para lidar com as pessoas com limitações sem preconceitos”, argumenta.

Em Minas, unidades especiais da rede estadual de ensino podem virar centros de apoio

O movimento de inserção das pessoas com deficiência no ensino comum reflete uma série de políticas voltadas para assegurar os direitos delas. No Brasil, as matrículas de alunos com limitações nos colégios regulares cresceram 161% de 2007 a 2016, enquanto as escolas especiais deixaram de ser a primeira opção de muitas famílias. Hoje, as instituições especializadas têm metade dos estudantes que tinham há dez anos.

Na rede estadual mineira, só 2.563 dos 43.002 dos deficientes matriculados estão em escolas especiais, conforme a Secretaria de Estado de Educação. Diretora de Educação Especial da pasta, Ana Regina de Carvalho espera que até 2019 as instituições da rede deixem de ofertar o ensino especial e passem a funcionar como centros de apoio para as demais escolas. Hoje, há 26 unidades especiais em Minas, enquanto 3.245 instituições estaduais regulares recebem alunos com deficiência. “À medida que a inclusão se fortalece, as pessoas começam a buscar as escolas comuns”, diz.

Mudanças necessárias

Mas só colocar os estudantes em salas mistas não é suficiente, ressalta Rodrigo Mendes, presidente do Instituto Rodrigo Mendes, uma das referências na defesa da inclusão das pessoas com deficiência em escolas comuns. Para ele, a inserção deve ser acompanhada por uma série de mudanças na estrutura e no ambiente escolar e de preparo da equipe de ensino.

“Devemos investir continuamente na formação dos educadores e na adaptação da arquitetura da escola. É fundamental o planejamento das aulas, das estratégias de ensino e do projeto pedagógico, além de utilizar material didático adequado às necessidades dos estudantes”, diz.

Fonte: Hoje em Dia

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Valeska Andrade

Formada em História pela Universidade Federal do Ceará e em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará. Especialista em Cultura Brasileira e Arte Educação. Coordenou o Programa O POVO na Educação até agosto de 2010. Pesquisadora e orientadora do POVO na Educação de 2003 a 2010, desenvolveu, entre outras atividades, a leitura crítica e a educomunicação nas salas de aula, utilizando o jornal como principal ferramenta pedagógica. Atualmente, é professora de história da rede estadual de ensino. Pesquisadora do Maracatu Cearense e das práticas educacionais inovadoras. Sempre curiosa!!!

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