A reforma do ensino médio chama a atenção da sociedade por conta do currículo mais flexível que pretende levar às escolas “percursos formativos”, em que o aluno poderá escolher áreas com as quais têm maior afinidade. Mas antes de analisar o que essa etapa de ensino pode se tornar, o Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) olhou para a situação atual de quatro redes – Ceará, Goiás, Pernambuco e São Paulo – para entender como elas atuam para incluir e fazer com que alunos permaneçam e concluam a educação básica. Os pesquisadores descobriram que existe uma grande distância socioeconômica e de desempenho entre o aluno do período parcial e do integral. Além disso, as escolas que oferecem mais de sete horas de ensino também causam uma autoexclusão daqueles que trabalham, querem trabalhar ou se sentem despreparados para encarar as novas exigências acadêmicas da instituição.

O estudo, que deu origem ao livro “Políticas para o ensino médio: o caso de quatro estados”, foi lançado nesta segunda-feira, 7, em São Paulo (SP). A obra ressalta ainda que existe uma espécie de “seleção não-oficial” para os diversos tipos de oferta de ensino médio. Por um lado, aumenta a proficiência daqueles que têm contato com a educação integral, enquanto, por outro, limita o acesso aos alunos de condições socioeconômicas menos favorecidas, o que aumenta a distância entre estudantes de diferentes classes sociais. Segundo a obra, o aluno de origem menos favorecida tende a estudar no período parcial, ter menor nível socioeconômico, baixo desempenho acadêmico e pouco capital cultural (atestado pela escolaridade da mãe). Além de defasagem idade-série, esse jovem precisa trabalhar enquanto estuda ou tem a perspectiva de ingressar no mercado de trabalho antes de finalizar a educação básica.

“É muito importante saber como essa relação ocorre, porque não é intenção dos gestores criar uma escola para que só entre um tipo de aluno. Não existe um maquiavelismo, mas sim processos sociais que conduzem a isso”, diz o coordenador de pesquisas do Cenpec, Antônio Augusto Gomes Batista. Para analisar o que estava por trás desse fenômeno, os pesquisadores separaram apenas a amostra de alunos que tinham a mesma característica socioeconômica que fazem educação integral e os que não fazem. Esse resultado foi então comparado com dados do Censo Escolar e de exames como o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e avaliações estaduais.

“No Enem, os alunos de escola de tempo integral, apresentam um grande ganho, especialmente no Ceará, que possui um ensino médio profissionalizante”, disse o representante do Cenpec, que ainda lembrou que instituições de ensino em tempo integral selecionam, remuneram e acompanham professores de modo diferente.

Autoexclusão
Para explicar o que acontece com alunos que não são atraídos pelas escolas de tempo integral, Batista diz que existe um movimento de mão dupla. Ora os alunos não se veem preparados para um ensino que exige maior dedicação, ora é própria instituição que se mostra refratária ao indicar ao aluno que ele não se enquadra no perfil de uma escola de excelência. “Em São Paulo, 17% a 20% saem das escolas no momento que ela passa a ser de período integral no ensino médio”, disse.

Os impactos, segundo o pesquisador, também são sentidos por escolas vizinhas, que passam a receber alunos com maiores dificuldades de aprendizado. “Apesar de serem unidades isoladas, elas estão em relação relacionadas. Por isso, as escolas vizinhas precisam refazer suas identidades para manter seu prestígio e o laço com seus alunos”, explicou.

Batista citou ao público presente à Biblioteca Alceu Amoroso Lima a história de uma gestora que passou por uma situação parecida, que viu o Ideb de sua instituição cair após mudança de uma escola próxima para o período integral. Ao buscar alternativas, conseguiu, junto com professores e uma articulação com empresariado, estabelecer que só alunos com uma determinada nota poderiam conseguir seus primeiros empregos na região. “Ela criou uma identidade para a escola que cria laços ao inserir seus alunos no mercado de trabalho. Problemas com indisciplina e violência desapareceram, segundo os depoimentos de professores e da diretora”, disse o representante do Cenpec, que alertou, ao final de sua fala, que não são apenas políticas, mas pontos de vista e interpretações a respeito delas que apoiam o surgimento de desigualdades.

Fonte: Porvir

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Valeska Andrade

Formada em História pela Universidade Federal do Ceará e em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará. Especialista em Cultura Brasileira e Arte Educação. Coordenou o Programa O POVO na Educação até agosto de 2010. Pesquisadora e orientadora do POVO na Educação de 2003 a 2010, desenvolveu, entre outras atividades, a leitura crítica e a educomunicação nas salas de aula, utilizando o jornal como principal ferramenta pedagógica. Atualmente, é professora de história da rede estadual de ensino. Pesquisadora do Maracatu Cearense e das práticas educacionais inovadoras. Sempre curiosa!!!

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