Um estudo que envolveu pesquisadores brasileiros e ingleses projeta que se persistirem as medidas de austeridade adotadas a partir de 2015, em razão da crise econômica, o país poderá ter 20 mil mortes a mais de crianças até 2030.

O aumento estaria associado ao corte de verbas em programas sociais, como o Bolsa Família, que transfere renda diretamente às famílias de pobreza extrema, e o ESF (Estratégia de Saúde da Família). O primeiro beneficia 21% da população brasileira, e o segundo, 65%.

A pesquisa, publicada na revista internacional PlosMedicine, utiliza modelos matemáticos e estatísticos para medir os efeitos da crise econômica e o impacto do corte de verbas na saúde infantil em todos os 5.507 municípios brasileiros para o período 2017-2030.

Segundo o estudo, se mantidos os atuais níveis de proteção social, as mortes ​​na infância seriam reduzidas em 8,6% (cerca de 20 mil a menos).Também poderiam ser evitadas até 124 mil hospitalizações por doenças passíveis de prevenção, como desnutrição e diarreias (quando comparadas a um cenário de austeridade fiscal). Foi constatado que os municípios mais pobres do país seriam os mais afetados.

“Está claro que os programas sociais têm um impacto altamente benéfico na saúde das crianças brasileiras. Por isso, é preciso reverter propostas de medidas de austeridade que os afetam”, diz o professor Christopher Millett, do Imperial College of London e um dos autores do estudo.

De acordo com o pesquisador da Fiocruz Davide Rasella, que liderou o estudo, as projeções foram feitas com base em relatórios do Banco Mundial e do Ipea que mostram um aumento da pobreza gerado pelas medidas de austeridade fiscal, com impacto na saúde das populações mais vulneráveis.

Estudos semelhantes foram feitos durante a crise econômica na Europa. A Grécia, por exemplo, registrou aumento das taxas de incidência de HIV após redução orçamentária em programas de prevenção.

Para Rasella, a situação brasileira é ainda mais preocupante porque as medidas de austeridade terão longa duração, até 2030. “Nos outros países, elas vigoraram apenas no período da crise econômica. Eles também não tinham o nível de mortalidade infantil do Brasil, que é bem alto se comparado aos países desenvolvidos.”

O Brasil conseguiu atingir as metas do milênio em 2012, reduzindo em dois terços as taxas de mortalidade infantil entre 1990 e 2015.

Mas já existem sinais de uma tendência de retrocesso no número de mortes evitáveis na infância, depois de 13 anos de tendência de queda. Em 2016, o número de óbitos de crianças entre um mês e quatro anos aumentou 11%. Entre um mês de vida e um ano de idade também houve crescimento de 2% no número de mortes, segundo dados do Ministério da Saúde.

A taxa global de mortalidade infantil de 2016 ainda não foi fechada oficialmente pelo ministério, mas o Observatório da Criança e do Adolescente da Fundação Abrinq fez uma consolidação dos dados brutos que aponta uma piora na taxa, de 12,4 mortos em mil nascidos vivos em 2015 para 12,7 em 2016.

Segundo Fátima Marinho, diretora do Departamento de Doenças e Agravos Não Transmissíveis do Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade infantil ainda está sendo ajustada porque em 2016 houve uma redução do número de nascimentos, provavelmente em razão da epidemia do vírus da zika e dos casos de microcefalia.

Ela diz, no entanto, que já vinha sendo observada uma estabilização da taxa de mortalidade, depois de anos de tendência de queda. Em números absolutos, em 2016 foram registradas 200 mortes pós-neonatais (após 28 dias de nascido) e 612 de crianças até cinco anos.

Fátima afirma que o governo federal já foi alertado para esses cenários e está redirecionado ações de intervenção para as áreas mais críticas. “Até os cinco anos, as crianças são mais suscetíveis às mudanças sociais e econômicas.”

O percentual de crianças menores de cinco anos em desnutrição (de baixa estatura para a idade), por exemplo, aumentou de 12,6% para 13,1% de 2016 para 2017, segundo dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) consolidados pela Fundação Abrinq.

FONTE: FOLHA DE SÃO PAULO

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Valeska Andrade

Formada em História pela Universidade Federal do Ceará e em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará. Especialista em Cultura Brasileira e Arte Educação. Coordenou o Programa O POVO na Educação até agosto de 2010. Pesquisadora e orientadora do POVO na Educação de 2003 a 2010, desenvolveu, entre outras atividades, a leitura crítica e a educomunicação nas salas de aula, utilizando o jornal como principal ferramenta pedagógica. Atualmente, é professora de história da rede estadual de ensino. Pesquisadora do Maracatu Cearense e das práticas educacionais inovadoras. Sempre curiosa!!!

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