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Nesta obra, Lóri é a personagem central, enquanto Ulisses ocupa um papel secundário, mero referencial para os pensamentos e atitudes de Lóri. O livro conta, acima de tudo, a viagem empreendida por Lóri em busca de si própria e do prazer sem culpa. Uma viagem na qual Ulisses funciona como um farol, indicando onde estão os perigos e o caminho correto para a aprendizagem do amor e da vida.
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres é aquele tipo de leitura que ou a gente ama ou odeia. Sem meio termo. Até porque só o nome da escritora já nos causa esse sentimento. Sou fã de Clarice Lispector para todo o sempre, quem me conhece sabe muito bem. Amo os contos, as crônicas, sua forma de enxergar o mundo etc. A autora consegue ser complexa na simplicidade, simples na complexidade, intensa nos pensamentos e sentimentos. Possui uma linguagem poética e profunda. Acredito que ler Clarice Lispector é um desafio. E justamente pensando nisso tudo que escrevo essa resenha, pois, para mim, foi um desafio desbravar as páginas desse livro. Já tinha lido faz muito tempo, só que  nesses últimos dias, sem ter algumas leituras novas (pois é semana de provas na faculdade), reli o livro e faço agora essa resenha.

A história é extremamente simples, trata-se da jornada de uma mulher chamada Lóri em busca de si mesma. Esse autoconhecimento é adquirido através da “aprendizagem”: Lóri deve valorizar a beleza da vida até naqueles momentos mais triviais e vivê-los tão intensamente quanto aqueles que consideramos mais importantes.

Aí você se pergunta, mas qual é o objetivo disso? Bom, ela gosta de Ulisses e ele gosta de Lóri. A questão é que eles não se sentem prontos para ficarem juntos. Na verdade, o Ulisses até se sente. Ele é mais velho, mais experiente e consegue ficar mais à vontade com os assuntos relacionados ao amor. No entanto, ele só aceitará Lóri como sua mulher quando ela achar que está preparada para isso. Ulisses acredita que ela deve “estar pronta”, ou seja, que Lóri deve amar a si mesma antes de se entregar a alguém. É uma trajetória bastante confusa e difícil para Lóri pois ela estava acostumada a se esconder atrás da dor, deixando de viver plenamente, de sentir prazer em viver.

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Ulisses estava atento, imóvel. Lóri continuou:
— Parece tão fácil à primeira vista seguir conselhos de alguém. Seus conselhos, por exemplo. Já agora ela falava sério:
— Seus conselhos. Mas existe um grande, o maior obstáculo para eu ir adiante: eu mesma. Tenho sido a maior dificuldade no meu caminho. É com enorme esforço que consigo me sobrepor a mim mesma.
Ela jamais falara tantas palavras em seguida. Por isso queria evitar o principal. De repente porém notou que se não dissesse o final, nada teria dito, e falou:
— Sou um monte intransponível no meu próprio caminho. Mas às vezes por uma palavra tua ou por uma palavra lida, de repente tudo se esclarece.
(página 53)

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Tudo isso é mostrado ao leitor em uma linguagem intimista, ou seja, Clarice Lispector nos mostra o que ocorre na mente dos personagens. Lembrando que a autora é um dos grandes nomes do romance de introspecção no Brasil, então, o texto é escrito de uma forma um tanto incomum: possui poucos diálogos, quase nenhuma ação mas muito (muito mesmo) dos pensamentos, sentimentos dos personagens. A narrativa é de uma riqueza psicológica extrema pois não sabemos como são os personagens fisicamente, mas conseguimos compreender sua intimidade, o seu eu.

Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres apresenta-nos uma experiência amorosa completa. O final do texto é lindíssimo e bastante sensual. A autora faz-nos testemunhar a concretização do amor a si mesmo e ao outro, o “encontro consigo mesmo em face do outro”, a entrega completa sem medo, sem estranhamento. Clarice Lispector nos mostra isso com belas palavras, uma vírgula que inicia o romance e os dois pontos que o finaliza, lembrando-nos que essa busca é incessante, interminável, eterna. Somos seres em constante mudança e percepção da existência.

 

 

Texto:  Eduardo Sousa | Imagem: Internet