Cearense, natural da região do Cariri, Xico Sá é reconhecido nacionalmente por suas crônicas sobre relacionamentos

Cearense, natural da região do Cariri, Xico Sá é reconhecido nacionalmente por suas crônicas sobre relacionamentos. Foto: Luciana Castro

A crônica é uma conversa, é como se tivesse dois amigos conversando numa mesa de bar, há uma proximidade entre o autor e o leitor. Estas são palavras de Xico Sá,  o cronista e jornalista conhecido nacionalmente por falar de relacionamentos, amor e mulheres.  Em visita ao Ceará, o escritor concedeu entrevista exclusiva ao Blog Entre Aspas.

Entre Aspas: Como escritor cearense, quais as suas referências literatura do Ceará? 

Xico Sá: Foi muito a referência do Cariri dessa poesia mais oral, do cordel, do repente. Não só o Patativa, mas a poesia geral do Cariri. A  letra, a música cearense, é algo que me inspira muito. O “Pessoal do Ceará” é algo que eu uso muito em crônicas. São letras de música mas eu acho que funcionam como poesia a parte. É uma referência permanente, sempre estou escutando. As vezes vou atrás das letras do Augusto Pontes para buscar reentender aquilo que aquelas letras dizem, o Fausto Nilo, as letras dele são para mim poesia que funcionam como for. De literatura, eu sempre releio o manifesto da Padaria Espiritual, Moreira Campos, ele eu leio quase toda semana porque é muito inspirador. Gosto muito do Pedro Salgueiro, para mim é um grande escritor. No final essa prosódia cearense, esse humor de resistência que o nordestino tem, mas é muito mais específico do cearense, tá sempre me reabastecendo. Quando eu me afasto um pouco disso eu começo a ficar um pouco pobre de repertório. Perco a graça para escrever, é uma coisa que eu tenho que recarregar permanentemente.

E.A: Esse regionalismo assumido, te causou algum tipo de problema quando você chegou no eixo Rio/São Paulo? 

Xico: Pelo contrário, eu nunca temia o que eu tava fazendo, eu fui fazendo as coisas e na hora H aconteceu foi o contrário, esse regionalismo virou a meu favor. Há muito tempo eu tenho utilizado esse tipo de linguagem na minha crônica. Diferente da velha crônica dos anos 50, 60, com o Rubem Braga e Paulo Mendes Campos. Esses caras são fonte de inspiração para mim , mas não tinham nenhum acento de uma voz mais marcada com um certo sotaque. Então, acabou me ajudando muito, esse traço de não ter esquecido ou ter eliminado esse repertório todo que levei daqui. Acho que se eu tivesse tentado alguma neutralidade, se tivesse optado por esse caminho, eu acho que eu teria me tornado mais u na multidão, não tinha marcado, como foi o caso.

E.A: Você se acha um escritor da resistência? Enquanto outros escritores preferem temas mais sérios, você faz questão de falar do amor, muitos abandonam o sotaque e você faz questão de reafirmá-lo. 

Xico: Isso nunca foi planejado. Foi muito de como eu sou mesmo. Claro que como eu vi que deu certo logo de cara, eu continuei. Eu não sofri rejeição por falar desse jeito, isso facilitou com que eu reforçasse meu traço. Quando eu vejo, estou escrevendo assim naturalmente. Quando eu quero limpar mais o texto, para deixar ao alcance de mais gente, eu tenho dificuldade de fazer isso. Hoje eu parto do pressuposto de que quem quiser, que vá atrás de entender a palavra, por que se eu ficar explicando cada palavra, o texto fica pobre, cheio de parênteses. Eu prefiro botar um “balseiro” no meio do texto e a pessoa que vá procurar saber.  Porque que a gente faz tanto esforço para aprender outras palavras, outras línguas, então pode procurar por essas também. As vezes as palavras não são nem regionais, são de um português mais arcaico que as pessoas esqueceram.

E.A: Agora falando de crônica. Você como cronista, como definiria esse gênero? 

Xico: A cronica eu vejo como um prato feito da alimentação literária, é uma coisa mais rápida. Eu vejo a crônica muito como puxar uma cadeira e ter uma conversa com um amigo. É tanto que eu uso muito, que os cronistas em geral usam, que é uma coisa que você chama alguém pra conversa, meu amigo, meu caro, meu velho… você puxa o leitor para conversar.  É o gênero mais lido no Brasil, não é o de mais prestígio, é meio o primo pobre da literatura, o que eu acho ótimo, combina mais comigo (risos), é uma coisa mais vagabunda dentro da literatura. O Brasil tem mais cronistas geniais do que romancistas geniais. Você pega Rubem Braga, que é um caso a parte, porque ele conseguiu ser quase só cronista. Normalmente o cronista ele bate bola em quase todas as áreas. Eu sou cronista, sobretudo, se me perguntarem uma definição seria essa, mas de vez em quando eu faço romance, conto, tenho minha história no jornalismo, vou brincando ali em várias áreas. O Rubem Braga fez pouca poesia, ele é mais cronista.

E.A: E essa questão da crônica ser uma conversa com um amigo, como você vê hoje com as redes sociais a proximidade com os leitores? 

Xico: Eu acho fantástico. Passei a ser lido de verdade depois disso. Antes compravam meus livros mas era pouca a tiragem. Eu passei a ser acompanhado, as pessoas a quererem saber qual minha crônica do dia depois das redes sociais. Antes a crônica tava meio esquecida, antes você pegava o jornal, e quando tinha, era um cronista, isso antes da internet, final dos anos 90. Os jornais impressos não tinham cronistas, com a internet houve o boom da crônica. Mesmo antes das redes sociais, e com elas há um estouro da crônica. Acho que hoje a crônica vive o momento de maior leitura no Brasil. Acho que nem quando você tinha a fartura dos gênios da crônica, nos anos 50, 60, pouco 70, principalmente nos jornais cariocas, que tinham a turma do Nelson Rodrigues, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Rubem Braga, Clarice Lispector, essa turma toda. Acho que hoje nós somos mais lidos do que eles, embora eles sejam infinitamente mais importante pra literatura, por conta dessa questão das redes sociais, desse espalhamento. Alguns escritores tem o temor de gastar assuntos na internet por conta da repercussão na venda do livro. Eu não penso assim e o efeito tem sido o contrário, quanto mais eu sou lido na internet, mais eu vendo livros.

Entrevista: Eduardo Sousa e Luciana Castro | Imagens:  Luciana castro