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Vinte anos depois da morte de um dos escritores brasileiros mais populares entre as novas gerações, O POVO conversou com Márcia Abreu, irmã do autor de Morangos Mofados e O Ovo Apunhalado. Puxando pela memória, Márcia revela um Caio Fernando Abreu que não estabelecia limites claros entre realidade e ficção, e conta que ainda sente saudades das batidas de sua máquina de escrever durante a noite. Também revela que Caio, alguém que oscilava com facilidade entre dias felizes e depressivos, tornou-se mais sereno após o diagnóstico que o relevou como portador do vírus HIV.

O POVO – São 20 anos desde a partida de Caio e o que ele escreveu segue vivo, atual. A que você atribui essa permanência?
Márcia Abreu – A meu ver são inúmeros fatores: inteligência, refinamento, a qualidade, atemporalidade e universalidade dos textos. A atualidade também é muito importante devido aos temas: amor, ódio, solidão, amizade, paixão, morte e liberdade.

OP – De escrita e vida intensas, Caio levou aos textos dilemas da própria existência. Como era essa relação entre vida e obra?
Márcia – Nem sempre o Caio era ficcional, mas na maioria das vezes o trabalho dizia uma coisa e a vida dele também. Mas ele não diferenciava muito a obra e a própria vida. Simplesmente ia vivendo e escrevendo. Obra/vida, ficção/realidade se misturavam muito no trabalho dele.

OP – Para você, esse resgate do nome e textos dele na Internet é positivo?
Márcia – Olha, tem um lado positivo, que é levar sua obra, através da internet, às pessoas que de outra forma não teriam contato com dele. Mas como sua linguagem é toda carregada de paixão, sinceridade, intensidade, transgressão e ao mesmo tempo afeto, prevíamos que isto iria acabar acontecendo, pois um escritor que consegue fazer isto sem deixar de lado o refinamento estético e a qualidade do texto torna-se atemporal. O lado negativo é que nem todos os textos são dele, tem muita coisa falsa na web.

OP – De muitos amigos, ele também foi uma pessoa muito querida. Como era o Caio na convivência no dia a dia?
Márcia – Respondendo como irmã do autor, não este escritor famoso da literatura nacional e redes sociais, te digo que comigo era carinhoso e prestativo. No entanto, sei pelo convívio dos amigos que ele tinha ups and downs, ou seja, ia com muita facilidade de dias felizes aos mais depressivos. Mas, por mais paradoxal que seja, após o diagnóstico da doença – AIDS – ele se tornou mais sereno.

OP – São 20 anos de saudade. Como irmã, o que você guarda do Caio?
Márcia – Ele não colocava música pra escrever, preferia o silêncio. Aliás, tem algo que ficou guardado na minha memória: o som das batidas da máquina de escrever de noite, ao lado do meu quarto. Enfim, tenho saudade, mas devido a sua vasta e rica obra acho que cabe mais o orgulho que sentimos.

 

 

 

 

[Entrevista publicada no Portal O POVO Online, do dia 13/01/2016] Imagem: Internet