Para quem acredita que a novela é um gênero que imita a realidade, a vida de Pedro, personagem de Eriberto Leão em Insensato Coração, seria um alento para milhares de paraplégicos. Meses depois de sofrer um acidente de avião, que o deixou sem o movimento das pernas, ele reaparece andando de muletas demonstrando incrível destreza.

Mesmo tendo abandonado as sessões de fisioterapia por um período e passado outro na cadeia, bastou-lhe retomar algumas sessões para abandonar a cadeira de rodas.

Por mais que a dramaturgia não tenha compromisso com a realidade, a impressionante recuperação de Pedro chama atenção. Seria possível um paraplégico voltar a andar após meses e algumas sessões de fisioterapia?

Para a fisiatra Therezinha Rosane Chamlian, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), isso só é possível se a medula não tiver sido completamente lesionada, ou seja, se a lesão for considerada no jargão médico como “incompleta”.

– É possível haver melhora da movimentação desde que a lesão da medula não seja completa. Melhora tanto os movimentos, quanto a sensibilidade. Mas para voltar a andar depende do tipo de lesão, da região acometida e da extensão dessa lesão.

A medula é uma massa de tecido nervoso, situada dentro das vértebras localizadas entre a região cervical (pescoço) e a lombar. É por ela que são transmitidos os impulsos sensoriais e motores do cérebro e para o cérebro.

Quando uma dessas vértebras é atingida, e a lesão chega à medula, ocorre a paraplegia (perda dos movimentos da bacia até as pernas) ou tetraplegia (perda dos movimentos da região do pescoço até os pés). O local onde ocorre a lesão determina um dos quadros.

Detalhes que fazem diferença

Para Therezinha, o tratamento a que Pedro se submete não seria suficiente para lhe trazer tão bons resultados. O trabalho de reabilitação de quem sofreu lesão na medula envolve diferentes profissionais e etapas que necessitam dos cuidados de fisiatras, fisioterapeutas, nutricionistas e até de assistentes sociais e psicólogos.

– O que eu senti como grande equívoco é dizer que basta fazer fisioterapia e exercícios para se recuperar. A mensagem que seria muito importante de passar é que precisa de uma equipe muito bem treinada.

Mesmo sem descartar a recuperação do lesionado incompleto, a fisiatra reitera a possibilidade de existir sequelas e a necessidade de mostrar também essa faceta.

– Às vezes fica sequelas mínimas, normalmente de um grupo muscular, como a dificuldade de mexer o pé, de controlar urina, fezes e manter a ereção.

Fato que foi ignorado quando, em um dos capítulos, Pedro transa com a prima Irene, mesmo depois de ter abusado da bebida alcoólica. A cena impressionou a fisiatra já que, em geral, o homem paraplégico tem dificuldades de ereção e ejacula muito pouco, por causa da paralisação dos membros inferiores.

– O ato sexual com uma pessoa com lesão medular precisa de preparo. A mulher terá que fazer uma série de artimanhas para ele conseguir uma ereção.

Para a fisiatra Leila Menezes de Castro, superintendente médica de reabilitação da ABBR (Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação), a história de Pedro não pode ser encarada como regra, mas como algo que acontece com um personagem de TV.

– O importante é saber que cada caso é um caso. O paciente tem que ser muito bem acompanhado para saber exatamente qual é o prognóstico. Mas a reabilitação é sempre necessária.

O ex-supervisor técnico em Telecomunicações Paulo Monção, de 47 anos, concorda com Leila. Ele ficou paraplégico em 2007, depois de uma bala de revólver acertar suas costas em uma tentativa de assalto. A lesão completa o deixou paralisado na região da cintura para baixo. Desde então, ele faz reabilitação na ABBR, onde, nestes três anos, conseguiu grandes avanços graças às sessões de terapia ocupacional.

– Melhorei o equilíbrio de tronco, voltei a tomar banho sozinho e dirigo um carro adaptado. Mas para isso levei esse tempo, porque você tem que aprender tudo de novo, a sentar, a se equilibrar.

Uma dor crônica na lombar, herdada pela lesão, no entanto, o obrigou a se aposentar.

– Acredito em Deus, mas no meu caso não é com fisioterapia que eu vou andar. Eu acredito muito no estudo da célula-tronco. Aquilo que aconteceu na novela está totalmente fora de cogitação.

O R7 entrou em contato com a assessoria de imprensa de Insensato Coração, que confirmou que a paraplegia não será levada em frente na novela. Essa, assim como as outras dificuldades enfrentadas pelo ex-piloto, serviram apenas de desafios para a união do casal Pedro e Marina.

R7

About the Author

Jorge Brandão

Fisioterapeuta, Osteopata, RPGista. Diretor da clinica Fisio Vida.

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