“Falar sobre bichas é, acima de tudo, mostrar e ensinar o que é”, diz Marlon Parente, diretor de Bichas, o documentário. O publicitário de 23 anos explica que as pessoas costumam rejeitar conceitos estranhos. “A partir do momento que educamos, o que era estranho antes passa a ser compreendido e naturalizado”. O filme recebeu mais de 342 mil visualizações em uma semana.

O projeto nasceu depois que Marlon, ao lado de amigos, enfrentou um episódio de homofobia, em Recife. “Um senhor passou bravejando ‘bando de bicha, eu vou atirar no cu de vocês’. Ele sacou uma arma e mirou pra gente”, relata. “Ele não queria dinheiro, não queria assaltar. Ele queria nos agredir por algo que não é justo”. A resposta veio do amigo Italo Amorim, um dos personagens do doc, que deixou claro: “ainda existe muito mais bicha por aí. E você vai ter que aceitar”.

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Imagem: Divulgação

Filho de nordestinos e nascido em São Paulo, divide a morada com um amigo que, enfatiza, é drag queen. Em entrevista ao Repórter Entre Linhas, Marlon Parente discute a necessidade de narrar as histórias expostas no documentário. “Eu escolhi outras pessoas para falar por mim. Se eles podem fazer isso, podem representar um monte de bicha por aí também”.

Muitas mães, ao descobrirem a orientação sexual dos filhos, pedem para que eles não levantem bandeira. Até quando vai ser preciso levantar bandeira?

Marlon Parente: Até quando for preciso. Até quando a gente ser respeitado igual. Até a gente poder andar na rua sem ter medo. Até a gente conseguir se expressar sem ver cara feia ou deboche. A luta é diária e o dia de baixar a bandeira nunca vai chegar.

Como você chegou até esses personagens?

Marlon: Todos são meus amigos. O filme foi gravado na minha casa e nenhum, absolutamente nenhum deles se recusou a fazer. Muito pelo contrário, se mostraram bastante empolgados e acreditaram no projeto. A dedicação é vista no filme, gravado de forma espontânea. Não houve ensaio das perguntas porque eles só saberiam na hora. Sou eternamente grato a todos.

Por que para alguns “bicha” ainda é xingamento?

Marlon: A construção histórica por trás da palavra é algo de difícil desconstrução e requer bastante luta. Quando a gente é apontado como bicha, nunca é em um ambiente agradável, em tom sensato ou alegre. É sempre usado de forma agressiva. A sociedade diz que ser bicha é ruim e o machismo reforça. A ideia é desconstruir e dar outro significado ao (termo) bicha e daí virarmos o jogo e transformar o que antes machucava em troféu e bandeira.

E por que as pessoas se incomodam tanto com bicha?

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Marlon Parente, diretor de Bichas

Marlon: Porque o ser bicha vai contra todas essas regras que a sociedade nos fala que é o certo há anos. Homem não pode usar saia, roupa curta, usar rosa, maquiagem. A sociedade machista vem pregando esse conceito e o ideal da figura masculina, e tudo que foge disso incomoda. O homem não pode ter trejeitos de mulher, nada que é feminilizado nessa figura ideal é bem-quista pela sociedade… Mas, olha, querendo ou não, vai ter bicha de shortinho sim. Inclusive, eu amo (risos).

Do ponto de vista político, é ruim existir “bicha heteronormativa”?

Marlon: A bicha heteronormativa não contribui em nada para o movimento. Ela não se manifesta. Ela não se opõe ao agressor. A fantasia heterosexual que essa bicha veste todos os dias atrasa o movimento e faz com que a fala machista se fortaleça. “Pode ser gay, mas não pode ser bicha”. O gay é uma visão politizada e imageticamente o mais próximo do que seria um homem ideal para a sociedade: a figura máscula, séria, comportada e sem trejeitos. A bicha é o que vai contra.

E depois de Bichas, qual é o próximo projeto?

Marlon: Para ser bem sincero eu ainda estou abalado com a repercussão do Bichas. Estou incrivelmente feliz. Eu penso em fazer outras versões desse documentário, no mesmo estilo, abordando outras letras da sigla LGBTTQ. A bicha é uma figura no meio dessa sopa de letrinhas e, assim como ela, ainda há muito para contar e ensinar.

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About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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