Ao meu lado a mãe repetia: “Eu disse filho que não ia doer. Você precisa confiar na sua mãe.” E o garotinho, que antes berrava durante o exame de vídeo deglutição, assentiu como criança: “É mãe, é que eu pensei que ia doer. Mas você também um dia já foi criança.”. Enquanto eu esperava minha vez no exame, escutava aquelas “coisas de mãe e filho”, sentindo a sabedoria da vida na cadeira ao lado.

E lá volto eu para a sala de espera, agora aguardando o laudo do exame, pronta para seguir a tarde de quarta-feira. A vida, no entanto, tinha mais nuances para me mostrar, ainda sobre as delicadezas maternas.

Ela passa nervosa ao lado, preocupada com a mordida de mosquito na perninha do rebento. “Eu fico paranoica, sabe, com essas picadas.”, desabafou enquanto já sentava ao meu lado puxando conversa. E bastou uma pergunta para desenlaçar a própria vida.

Já era mãe de um garoto de onze anos quando o ventre pulsou novamente. “Meu filho pedia um irmãozinho, eu e meu marido começamos a querer também. Passamos dois anos tentando e nada, até que uma tarde parei e conversei com Deus. Eu disse: Senhor, manda meu filho. Eu aceito por inteiro, como ele tiver que vir.”.

Eu ouvia admirada aquele relato sincero, de estranha para estranha, de uma mãe para uma mulher que ainda está emaranhada nos novelos da endometriose. A simplicidade do olhar, a calma na fala, revelava a confiança da desconhecida. “Eu sentia que ele viria especial. Algo dentro de mim já avisava, e eu estava pronta para receber.”.  Seriam as tais “coisas de mãe”, que a gente nomeia de várias formas, entre elas a de sexto sentido materno?

A jovem senhora me contou que o pequeno garotinho tinha microcefalia, diagnosticado poucos meses após o nascimento. “Peguei Zika no começo de 2015, com dois meses de grávida, quando ainda nem se falava dessa doença e os médicos não sabiam das complicações para o bebê. Mas durante toda a gravidez eu me blindei de más notícias.”. Explicou que a estratégia, inconsciente ou não, a ajudou a completar a gestação sem intercorrências.

“Hoje ele é nossa vida e uniu mais ainda nossa família. Meu marido é alucinado por ele.”, contou enquanto cheirava o filho amorosamente. O garotinho de um ano ainda não conseguia andar, com as pernas rígidas, olhava fixamente para a luminária no teto. “Percebi que eu não tenho controle sobre nada. E o tempo certo é o tempo de Deus.”, concluiu.

Aquelas mães me trouxeram falas sobre confiança e entrega, me fizeram questionar que parte de nós, ao sonhar, ao desejar, se rende de fato a tudo que vem e como vem. Estamos preparados para esse voto de confiança e rendição? Estamos abertos para abarcar o todo que envolve nosso desejo?

Por vezes, enquanto a gente faz planos sobre a vida, o controle remoto parece estar sem pilha. A gente tenta mudar o canal, decidir o que assistir, aperta, clica, se irrita, mas nada acontece no tempo que esperamos. É como se existisse uma programação independente, a nossa revelia. Para aquele dia, tinha me preparado para um exame e duas visitas à família. Não imaginava que receberia bem mais de uma tarde na clínica.

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

View All Articles