Pergunto nos grupos de WhatsApp “o que é ser mulher” e o silêncio é geral até ser quebrado pela próxima mensagem que é um vídeo falando sobre tragédia. “Tragédia é quando a gente não viveu”, conclui a mensagem.

Começo então a pensar sobre as vezes que deixamos de arriscar por medo ou quando recusamos uma experiência por vergonha do jugo alheio. Tragédias típicas do não viver. Vi mulheres perfiladas em várias gerações, de mãos dadas com renúncias, segredos e ousadias. Lembrei-me de histórias contadas com bravura, no tempo em que não se podia falar alto.

Nesse alinho, ia tecendo outra narrativa para o texto quando, tempo depois, recebo a contribuição de outro grupo do WhatsApp.

“Ser mulher é estar energeticamente conectada ao universo pela força divina de gerar e acolher”, me escreve uma colega. Percebo a conexão como essa qualidade que nos faz gente, que dá liga e direciona o olhar intenso para a vida. A mulher é o ente que traz unicidade e colaboração.

“Ser mulher é cuidar, encantar e resistir”, me responde outra pessoa. Recordo as belezas e resistências diárias. As horas que, já esgotando as reservas de paciência, damos uma sobra para o tempo se estender só mais um pouquinho, para ouvir aquela confidencia, receber o abraço do fim de tarde, deixar escapar o sorriso sem motivo. É a resistência em insistir na alegria, nos atalhos, nos espantos.

“É compreender que carregamos conosco o poder de gerar vida, seja ela gestando seres, ideias, lutas, amores…”, complementa uma terceira mulher. Eu, que ainda não tenho crianças, ouvi da boca de um homem que meus escritos são como filhos paridos. De fato, são concebidos, às vezes sofridos, amados e lançados ao mundo. É essa gestação da vida pelas mãos, cabeça e letras. A vida que vai além do ventre. O parir vozes e outros jeitos de criar o mundo.

“Ser mulher é ter um dom especial no olhar, no sentir, no agir, o que gera profundidade no que é visto, no que é sentido, dando firmeza e amorosidade em tudo que é feito”, explica a quarta voz feminina. Seria essa tal amorosidade que contagia mesmo os corações mais sérios? Diria que a mulher é essa alma que zela por alguém, seja no gesto mínimo, nos atos desmedidos, com estilo próprio, sempre percorrendo o caminho do afeto. São as mães, as tias, as avós, as amigas, as partilhas genuínas.

“Ser mulher é mais que ser especial, é mais que ter uma beleza única. É, sobretudo, ser um pouco de tudo em todos os instantes, com caráter forte e coração cheio de generosidade”, define a quinta colega. É o talento feminino de multiplicar-se, fazer de si cópias e ser quase onipresente para dar conta de toda a existência. O ser que é exponencial em dar-se para a vida.

Ser mulher é esse nome composto, complexo, infinito, que nunca vem só, mas agregado a uma linha gigantesca de expectativas, qualidades, advertências, desconstruções. É um nome que se despe e ainda é inteiro, belo e perfeito.

É uma busca por traduzir o que arde no peito, o que vibra a garganta, o que acontece quando ninguém mais vê.

É um nome que fica maior quando faz rio. Vira MulheRio. Um bocado grande de uma parte enorme que corre para o mar.

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About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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