Maio de 68. Os protestos organizados por operários e estudantes em 1968 marcaram a produção cultural dentro e fora da França

A insatisfação e a ousadia que levaram estudantes e operários às ruas há 50 anos também ocuparam a produção cultural. A terceira edição do Festival Internacional da Canção, em setembro de 1968, é a síntese da turbulência que atravessava o Brasil, comandado por militares desde o golpe que depôs o presidente João Goulart quatro anos antes.

Caetano Veloso, acompanhado pelos Mutantes, defendia É proibido proibir. Transformava em canção a frase que, numa foto, leu em um muro de Paris. O protesto contra o conservadorismo, no entanto, vinha com uma provocação ainda maior. Os elementos de rock presentes na música e a entrada performática de um norte-americano no palco soaram como uma submissão ao imperialismo e a plateia não perdoou.

Vaia, tomate, ovos foram arremessados. “Vocês não estão entendendo nada! (…)Essa é a juventude que diz que quer tomar o poder? (…) Vocês estão querendo policiar a música brasileira. (…) Se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos”, lançou de volta, Caetano. Tudo naquele teatro era político.

Professor do departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Gabriel Ferreira Zacarias avalia que 1968 marca a passagem da forma de expressão política. A cultura passa a ser também um veículo. Um exemplo disso é usar quadrinhos conhecidos com balões modificados, com textos muitas vezes complexos. Estratégia ainda usada, hoje vista até em meme na Internet.

“A linguagem de contestação é hoje tão comum que o caráter disruptivo se perdeu. Não causa mais estranhamento”, pondera. “Após 68 veio a contracultura, com a emergência da juventude enquanto ato político. A indústria cultural tenta atender a essa demanda da juventude, tentando controlar a ruptura”.

As lutas pós-68

Pensar na ampliação nas formas de expressão como contracultura remete, por exemplo, ao movimento punk e ao grafite. É nesse ponto que a cultura passa a se transformar em um fundamental campo político e se torna eixo central de produção do capitalismo. Das minissaias às relações sexuais, muito do costume também mudou. Assim como as lutas.

“O fato é que hoje as lutas políticas não estão mais em torno das classes, como em 68, mas em torno das pautas identitárias. Grupos tentam marcar seu espaço dentro da lógica representativa a partir de uma identidade cultural definida”, aponta Gabriel Ferreira.

“Enquanto em 68 vigorava uma mediação mais ampla, entraram as relações de gênero e de sexualidade. Mais especificamente na França, em 1971, com importante iniciativa do movimento homossexual”, conta o professor.

Para o grafiteiro cearense Marquinhos Abu, membro do Coletivo Aparecidos Políticos, as intervenções não eram muito diferentes das que são feitas hoje. O coletivo, assim como tantos outros que surgem na Capital, reflete resistência. Reagindo à repressão que, segundo Abu, nunca mudou.

“O golpe de 2016 e a ditadura têm praticamente o mesmo modus operandi”, diz. “A gente mora em um País que apaga sua memória. É só olhar para a história do negro e o projeto de apagamento. Colocar isso na rua e questionar as pessoas é nossa forma criativa de resistir. E as artes conseguem atravessar bloqueios que são vestígios da ditadura militar, como a criminalização dos movimentos sociais”.

(Texto: Lucas Braga | Infográfico: Marcelo Justino/O POVO)

 

As barricadas abriram caminho?

Os 50 anos de Maio de 68 foram tema do Festival Maloca Dragão, que aconteceu em abril último. De acordo com o presidente do Instituto Dragão do Mar, Paulo Linhares, o atual momento do País guarda singularidades com o passado. Ele destaca o momento conservador em relação a comportamento e política.

Para Linhares, há, no entanto, uma diferença fundamental entre as juventudes de 1968 e 2018: “Em maio de 68 era um momento de utopia. Uma juventude explosiva do ponto de vista da libertação. Hoje a juventude está mais descrente. E hoje o passado se repete de forma mais sombria aqui no Brasil”.

“As grandes narrativas que mobilizavam essas juventudes se desconstruíram”, continua. “Elas foram estraçalhadas e não conduzem mais a juventude e nem a política. Hoje ninguém mais acredita em uma revolução. A ideia é reformista, não de ruptura”.

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Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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