Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

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(Com informações da Agência Brasil)

A ausência de escritoras e escritores negros nas mesas principais da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), principal evento do ramo no Brasil, reacendeu discussão sobre a representação da população negra na Literatura Brasileira. Nas ruas do centro histórico e nas mesas secundárias, público e debatedores criticavam a organização do evento. Como justificativa, o curador da Flip, Paulo Werneck, disse que a gestão tentou convidar autores negros, mas não conseguiu trazê-los. Realizada no Rio de Janeiro, a Flip teve os últimos debates no domingo, 3 de julho.

No debate “De onde eu escrevo”, promovido pelo Itaú Cultural durante o evento, a escritora Conceição Evaristo apresentou críticas diretas. “Esse é um dos momentos que poderiam estar contribuindo (para dar visibilidade). Na medida em que as outras formas não são consideradas, não são lidas, não são divulgadas e não são incorporadas ao sistema literário brasileiro, fica uma lacuna, porque a literatura tem essa possibilidade de ler a nação. Se não lemos todos os passos criativos da nação, estamos lendo uma nação em pedaços, estamos lendo uma nação incompleta”, pontuou.

A questão, entretanto, saiu dos corredores da Flip e inflamou debates no meio acadêmico e entre leitores. Para Sarah Forte Diogo, doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a ausência pode ser sintomática de um racismo estrutural constante na sociedade brasileira. “Podemos observar que o racismo no Brasil é algo explícito para aqueles que sabem, e querem, olhar e assumir esses aspectos. Para quem é partidário de um discurso de ‘democracia racial’ ou adepto de uma bandeira homogeneizante da nação o racismo existirá como ficção. Mas, para aqueles que vivenciam esse silenciamento, o racismo é integrante dos nossos processos sociais”, explica a estudiosa.

Sarah, que é docente da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), lembra que a voz do negro na literatura não é um dado recente. Há autores, entretanto, que são conhecidos por minorias e ainda não têm a visibilidade que merecem. Ela cita como exemplos o brasileiro Cuti (pseudônimo de Luiz Silva) e a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.

Também docente da Unilab, Sueli Saraiva pontua que a ausência de escritores negros nas programações principais não é uma exclusividade da Flip, mas uma constante em vários eventos literários. Causou estranhamento a estudiosa o fato da feira homenagear a poetisa Ana Cristina Cesar, dona de grande espaço na chamada poesia marginal, e, mesmo assim, não utilizar as mesas principais para avançar nos debates. “Faltou sensibilidade”, aponta Sueli, que é doutora em Letras pela Universidade de São Paulo (USP).

 

O curador Paulo Werneck disse, durante a Flip, que a intenção do evento era fazer uma mesa de encontro com Elza Soares, para dar destaque à cantora negra, mas que o convite foi recusado. Para Sueli, o ato demonstra falta de visão e desinteresse. “Convidou-se uma cantora que, como todos sabem, tem a saúde debilitada. E, em substituição, não se pensou em nenhum escritor negro”, afirma a docente.

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Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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