Por Ulisses Infante*

O pesquisador Ulisses Infante – um dos principais estudiosos da obra de Guimarães Rosa na atualidade – reflete sobre como as narrativas de Corpo de Baile entrelaçam-se em poesia, estória e canção

1956 é um ano sumarento na vida de Guimarães Rosa. Dez anos depois de Sagarana, Rosa reaparece nas livrarias: em janeiro, saem os dois volumes de Corpo de Baile; em julho, surge Grande sertão: veredas. Corpo de baile, a partir da terceira edição, em 1964, foi desdobrado em três volumes mais ou menos independentes: Manuelzão e Miguilim, no Urubuquaquá, no Pinhém e Noites do sertão. Desde então, perdeu-se um pouco a noção de que o próprio Rosa propusera um método de leitura para a obra, indicado nos índices das duas primeiras edições. 

No início do primeiro volume de 1956, há um índice com os nomes dos sete textos – “Campo geral”, “Uma estória de amor”, “A estória de Lélio e Lina”, “O recado do morro”, “Lão-dalalão (Dão-lalalão)”, “Cara-de-bronze” e “Buriti” – sob a designação “Os poemas”. No final do segundo volume, verdadeiro índice de releitura, Rosa muda tudo: há agora dois grupos de narrativas, “Gerais”, formado pelos “romances” “Campo geral”, “A estória de Lélia e Lina”, “Dão-Lalalão” e “Buriti”; e “Parábase”, constituído dos “contos” “Uma estória de amor”, “O Recado do morro” e “Cara-de-bronze”. Esses índices foram mantidos na segunda edição da obra, publicada em um único volume em 1960.

As narrativas, portanto, flutuam entre gêneros: são poemas que não deixam de ser romances e contos. O leitor deve atentar na poética posta em ação: uma língua literária única, fusão de arcaísmos, neologismos, regionalismos, termos científicos, de sintaxe cuidada, conduz uma meticulosa composição de enredos protagonizados por personagens admiráveis como Miguilim, Manuelzão, velho Camilo, chefe Zequiel, Soropita, Lalinha… Passa-se da chave lírica para o tom épico em poucas linhas; surge um compasso de montagem teatral ou cinematográfica que alterna com a contação de histórias à moda sertaneja ao se virar uma página. Rosa incessantemente testa as possibilidades narrativas, rompendo limites entre poesia e prosa, popular e erudito.

Corpo de Baile

Ao denominar três dos textos de Corpo de baile  de “Parábase”, Rosa destaca como  servem de elucidação aos modos de narrar e aos temas desenvolvidos na obra. A parábase é, na comédia grega, o momento em que o coro ou o corifeu se dirige ao público e comenta algo que o autor deseja destacar em seu trabalho. Em carta a Edoardo Bizzarri, seu tradutor italiano, Rosa assim se refere à questão: “No índice do fim do livro, ajuntei sob o título de Parábase três das estórias. Cada uma delas, com efeito, se ocupa, em si, com uma expressão de arte”. “Uma estória de amor” trata da origem e do poder das estórias; “O recado do morro” é “a estória de uma canção a formar-se” e “Cara-de-bronze” tematiza a poesia. Poesia, estória e canção entrelaçam-se e fazem as narrativas  de Corpo de baile moverem-se e, em sua dança que mimetiza o movimento cósmico, gerarem sentidos sobre o Brasil, o mundo, a existência, o porquê das histórias…

*Ulisses Infante é professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), tem doutorado em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado pela Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha.

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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