Segundo dados da Universidade de Brasília (UNB), perfil dos autores brasileiros segue o mesmo padrão desde 1965 – com predominância de homens e brancos entre quem consegue publicar nas grandes editoras
Mais de 70% dos livros publicados por grandes editoras brasileiras entre 1965 e 2014 foram escritos por homens. Esse é o resultado de pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, coletivo de pesquisadores vinculado a Universidade de Brasília (UNB). Os dados – ainda não divulgados totalmente pelos estudiosos – também mostram que 90% das obras literárias foram escritas por brancos e pelo menos a metade dos autores é originária do eixo Rio de Janeiro/São Paulo.
Os dados mostram um cenário de homogeneidade entre escritores e publicações, atestando que os homens, historicamente, têm mais espaço em editoras de grande porte. A explicação para esse cenário não é simples – aponta Regina Dalcastagne, uma das coordenadoras do levantamento que avalia 49 anos de mercado editorial nacional. “A questão de termos muito mais homens que mulheres, sem dúvidas, tem um certo preconceito. Sobre quem escreve literatura, quem é literatura no Brasil…”, pontua.
Regina lembra que, em virtude da dupla jornada de trabalho, as mulheres têm menos tempo para escrever do que os homens. “É uma condição social. Não há como negar isso”, enfatiza. “Depois ainda tem muito a ideia de que mulheres escrevem para mulheres e homens escrevem para todos. Eu desconfio, desconfiança e não certeza, desconfio que o mercado editorial tem preconceito achando que vai vender mais homens do que mulheres. E talvez venda, mesmo. Pois sempre somos acostumados com a ideia de que a experiência do homem e do branco são universais”, elabora Regina, que, além do estudo sobre o mercado editorial, também desenvolveu nos últimos dez anos um levantamento sobre os temas e os autores que são estudados na academia brasileira.
Os resultados completos dos dois levantamentos estão em fase de revisão e, segundo a pesquisadora, serão divulgados no início de 2018.
“A gente acaba falando de literatura feminina, de literatura negra. Mas não falamos de literatura masculina, de literatura branca. Se é para adjetivar, vamos adjetivar todas. Não tem texto totalmente universal”, acredita a pesquisadora Regina Dalcastagne, lembrando que a ausência de publicações nas grandes escritoras não significa que mulheres e negros não estejam produzindo literatura de qualidade.
Para Jéssica Balbino – pesquisadora de literatura feita nas periferias brasileiras e editora de publicações independentes – é necessário considerar a relevância das pequenas editoras e dos selos independentes, que têm papel fundamental na reversão desses processos. “Quando cria-se uma editora de pequeno porte, na maioria das vezes, é para dar vazão a demanda que fica reprimidas nas grandes editoras”, aponta Jéssica.
Para ela, é importante lembrar que esse nicho tem números de obras equiparadas entre produção de homens e de mulheres. “A gente precisa das pequenas editoras, selos e publicações independentes para cessar esse mercado, perfurar essa barreira e chegar às prateleiras das grandes livrarias. Está melhorando, está mudando, mas a gente precisa disso, precisa desse escape”, argumenta.
Mercado editorial
A equiparação, acredita Jéssica, passa por pequenas escolhas feitas no cotidiano dos leitores: indicar o livro de uma mulher, comprar obras produzidas por mulheres em pequenas editoras, presentear amigos com livros escritos por autores negros. Apesar das publicações volumosas de homens, diz Jéssica, nos últimos 49 anos – período de abrangência da pesquisa – existiram escritoras conceituadas na literatura brasileira com “obras excepcionais”.
Ela cita Maria Valéria Rezende e Ana Miranda como exemplos. “Muitas vezes, a gente se prende a essa literatura do mainstream e a que está exposta na vitrine da livraria. Mas existe uma literatura tão plural, tão efervescente, e tão grande sendo feita do início dos anos 2000 para cá. E que tem descoberto tantos outros autores, tanto homens como mulheres”, diz.
Pesquisa
A pesquisa do grupo de estudos também investigo os personagens retratados nos livros. Segundo os dados, 60% das histórias são protagonizadas por homens, sendo 80% brancos e 90% heterossexuais.
A pesquisa da UNB é dividida em três períodos: 1965/1979, 1990/2004 e 2005/2014. No primeiro período há o maior número de autores homens (82,6%), seguindo de percentuais ligeiramente diferentes nos períodos seguintes, 72,7% e 70,6%. Entre 2005 e 2014, 97,5% dos autores que publicaram em grandes editoras são brancos Entre 1990 e 2014, o percentual de brancos publicando nas grandes editoras brasileiras desce para 93,9. Já no período entre os anos de 1965 e 1979 o percentual é 93%.
A investigação ainda aborda aspectos como orientação sexual das personagens, época e local em que se situa a narrativa, estrato sócio-econômico das personagens, cor e sexo dos autores.
O jornalista Émerson Maranhão explorou outros dados da pesquisa na coluna Cena G. Mais informações aqui!
Para acompanhar as pesquisas do Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea:
https://www.gelbc.com/
Números
90% das obras literárias publicadas por grandes editoras entre 1965 e 2014 foram escritas por brancos
60% dos livros publicados entre 1965 e 2014 são protagonizados por homens, sendo 80% deles brancos e 90% heterossexuais.
*Ilustrei essa postagem com imagens de mulheres maravilhosas que publicaram nos últimos anos e têm produções relevantes. É minha tentativa de mostrar que, sim, temos ótimas mulheres escrevendo e o mercado não pode fechar os olhos para isso!
Que reportagem maravilhosa!
Já tinha ouvido falar dessa pesquisa em uma oficina de escrita para mulheres. Hoje fui atrás de algum material sobre e adorei encontrar essa reportagem. Um resumo necessário para levar essa informação à mais gente e muito bem ilustrado com tantas mulheres. Parabéns!