Apesar da inegável crise no mercado editorial, o cenário encontrado em eventos como a Bienal Internacional do Livro de São Paulo é de filas de jovens aguardando para trocar palavras com um autor e pegar um autógrafo no livro recém-adquirido. As obras produzidas para esse público navegam em uma corrente contrária ao encolhimento no mercado. John Green vendeu 4,5 milhões de livros no Brasil. Extraordinário, de R. J. Palacio, vendeu 840.000 exemplares. Becky Albertali, autora de Com, amor Simon, vendeu outros 60.000 exemplares.

“Os jovens são grandes consumidores de novidades e são mais que leitores, são fãs. Vimos um crescimento do público leitor depois dos anos 2000 e o surgimento de diversos mega-sellers. Acredito que agora estamos vivendo outro momento, sem tantos fenômenos, mas com diversos livros para leitores que não costumavam ser representados ou que sempre foram inviabilizados mesmo”, analisa Ana Lima, editora executiva da Galera Record, selo criado pela editora para publicar apenas obras específicas para o público jovem e que completou dez anos em 2017.

Jenny Han, autora da série “Para todos os garotos que já amei”, vendeu 170.000 exemplares apenas no Brasil. Livros foram adaptados para série da Netflix (Foto: ADAM KRAUSE)

Livros

O sucesso desse eixo do mercado pode ser explicado pela diferença do produto oferecido aos leitores. Há dez anos, pontua Ana, eram poucos os livros juvenis que tratavam sobre questões como racismo, violência e gênero. Cenário bem diferente das prateleiras encontradas atualmente nas livrarias – que possuem obras cada vez mais amadurecidas. “Os livros nacionais também estão em destaque para o público jovem, justamente porque as histórias conversam melhor com o leitor brasileiro. Novamente, representatividade é importante”, acredita Ana Lima.

O pensamento dialoga com a proposição da escritora Iris Figueiredo. O high school americano e as férias de verão foram substituídas, pontua, por narrativas que falam sobre as realidades, os cenários e as perspectivas dos jovens brasileiros. Iris é autora de Céu Sem Estrelas, publicado pela Companhia das Letras e obra mais vendida no estande da editora durante a Bienal de São Paulo. O sucesso, acredita, se explica a partir de uma fórmula simples: contato com o leitor. Diariamente, mesmo quando não existiam falas agendadas, ela estava no evento para dialogar com os jovens e autografar. E isso, na opinião da autora fluminense, é outro fator que explica o sucesso dos livros entre o público. Leitores e escritores mantêm contato através das redes sociais. Lá, ao invés de uma figura distante, os jovens encontram artistas que comentam, compartilham, dialogam e interagem. Iris foi aluna da escritora cearense Socorro Acioli em cursos de escrita criativa.

Iris Figueiredo estreou na Companhia das Letras com o livro Céu Sem Estrelas. É o quarto livro da carreira da escritora fluminense.

Mercado editorial

No passado, diz Iris, as crianças eram incentivadas ao hábito da leitura e contavam com exemplares coloridos e refinados graficamente. Depois, eram inseridas no circuito do cânone – que, muitas vezes, não despertava interesse. O hiato fragmentava as leituras e, na fase adulta, era mais complicado conquistar o leitor. Agora – com o mercado investindo em livros que dialogam com esse público, a tendência é ter adultos mais leitores. Além disso, ela explica, o livro físico tem um apelo para os jovens.

“É a cultura de fã e fã gosta de ter objetos, guarda, exibir. Estamos recriando uma relação com o livro. Os adolescentes compram livros que já leram emprestados ou leram em formato digital, pois, para eles, é importante o ato de guardar”, pontua. Outro cenário comum é quando o jovem já possui um exemplar na estante, mas, por uma razão ou outra, encontra o autor e não está com a obra em mãos. O único caminho possível para eles é adquirir um novo exemplar. Esse público não tem restrições a acumular duas ou até três unidades de um mesmo livro na estante.

“Muitos gostam de anotar e marcar. Eles abrem quando sentem falta de uma passagem. Acho que eles estão criando uma relação muito legal com o livro. De ler e com todo o aspecto da leitura. Desde a figura do escritor até o material do livro, valorizando como o objeto é feito e a beleza. Eles gostam de fotografar e de internet. Então, acho que visualmente, se o livro é mais bonito, chama mais atenção. Eles estão criando relação de afeto com o livro, que existia na infância. O livro era algo que podia tocar, que mexia com os sentidos. Existe uma coisa diferente ao mergulhar na leitura com o livro de papel. O contato com a história parece mais próximo. O suporte livro físico tem muito esse apelo”, explica Iris – que é formada em Produção Editorial pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Literatura

“Os jovens são o público mais engajado: eles dão feedbacks imediatos, acompanham as novidades e apoiam o que é produzido se o livro ressoa com eles. A única maneira de avaliar isso é positivamente e cada vez mais fazer com o que a produção literária respeite esse público e produza sempre com qualidade”, acredita Talitha Perissé, editora de aquisições de Young Adult da Intrínseca, uma das mais importantes editoras do segmento. Para ela, a literatura voltada para o público jovem é uma porta de entrada. “Não precisamos lidar com pressões pelo clássico e nobre quando entendemos que literatura juvenil tem um papel ainda mais difícil que é o de dialogar com gerações cada vez mais exigentes e complexas sem se esquivar de falar de assuntos espinhosos. É uma tarefa árdua, mas que temos visto ser realizada com muito afinco e responsabilidade por gerações de autores”.

Talitha também acredita que os jovens que hoje consomem livros vão se tornar adultos leitores. “O que vemos, cada vez mais, são leitores engajados que se importam com o que consomem e como consomem. É nossa responsabilidade entregar cada vez mais diversidade e qualidade para o leitor”, finaliza a editora de aquisições de Young Adult da Intrinseca.

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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