Ana Lima, editora-executiva da Galera Record

A Galera Record, selo jovem da Record, completa dez anos em 2017. Pioneira na publicação para o público jovem, a marca ganhou destaque no mercado ao  criar fóruns para ouvir as opiniões de leitores sobre capas, novos títulos, autores e textos. Até hoje, o selo mantém o diálogo como característica. No lugar dos fóruns, as redes sociais são usadas para saber qual o pensamento dos jovens leitores. Ana Lima, editora-executiva da Galera Record, conversou com o Leituras da Bel, por email. Na entrevista, ela fala sobre incentivo ao hábito de ler e as recentes mudanças do mercado. Leia respostas completas:

Leituras da Bel – Há muitos leitores que cresceram e aprenderam a gostar de ler com a Galera Record. Como a você avalia o papel do selo na política de difusão da leitura no Brasil?
Ana Lima – Muito importante. A Record foi uma das primeiras entre as grandes editoras a apostar alto na literatura juvenil e YA (Young Adult), criando um selo com identidade e gerenciamento independentes da ficção adulta. E fomos os primeiros a mudar a comunicação com o leitor quando, há dez anos, criamos um site totalmente interativo que abria ao leitor a possibilidade de se comunicar mais diretamente com a editora, e opinar, sugerir, reclamar. As mídias sociais ainda estavam começando — o Orkut foi criado em 2004; e o Twitter, que foi muito importante para o crescimento do selo, em 2006 — e por ali (pelo site) já víamos que as pessoas queriam ter mais identificação com as marcas que consumiam, também queriam ser ouvidas, queriam participar.

Leituras da Bel – Existe um preconceito forte em relação a literatura feita para o público juvenil, geralmente considerada de menor complexidade e de menor potencial. A senhora acha que esse pensamento ainda se sustenta?
Ana Lima – Nunca se sustentou para mim. E acho que só faz sentido na cabeça de alguém que não conhece o gênero o bastante, e assim o julga e diminui sua importância. Temos no juvenil livros complexos, belos, importantes; alguns se tornam clássicos, outros se tornam best-sellers. E uma coisa não invalida a outra. Mas eu sou muito suspeita, não apenas por editar e amar o gênero, mas também porque detesto esses rótulos. Existem livros. Livros com boas e bem contadas histórias. E livros que são o oposto disso. Não importa para quem o livro é destinado, importa o que ele vai significar para quem for lê-lo. É uma pena que essa ideia persista, pois muita gente acaba deixando de ler autores maravilhosos, como David Levithan, Neil Gaiman, John Green…

Leituras da Bel – As crianças e os adolescentes costumam reclamar dos livros indicados nas escolas, que são considerados enfadonhos. No entanto, em alguns casos, estes mesmos estudantes se encantam por livros produzidos por selos como a Galera Record. Qual o diferencial do produto comercializado por vocês? Como as escolas poderiam ficar mais perto das editoras?
Ana Lima –  Temos que perder o medo da literatura comercial. Não tem demérito nenhum em ser comercial, prender o leitor, vender – o Pedro Bandeira faz isso há anos e muito bem, seus livros são gostosos de ler. Claro que sempre haverá espaço para o literário, e um leitor maduro (não apenas mais velho, mas com o hábito de leitura mais desenvolvido) vai saber conviver muito bem com as duas coisas. Entretanto, obrigar a leitura de alguns títulos muito cedo é desestimular o hábito. Hábito é costume, precisa de prática. Se o jovem começar lendo algo chato, ele nunca mais vai querer ler na vida. Se ele curtir e se envolver com aquilo, vai ler mais. Eu não tenho dúvida disso. Vi acontecendo inúmeras vezes nesses dez anos do selo. Meninos que leram Assassins Creed e dali pularam para os romances históricos e para os calhamaços de não ficção ou biografias. Meninas que cresceram com a Meg Cabot e também amam o Machado de Assis, e entendem direitinho os 14 pontos de vista do novo livro da Paula Hawkins, considerado “denso”.

Acho que as escolas particulares já estão se aproximando mais do jovem e das editoras – tenho um filho de 17 anos e ele leu livros maravilhosos ao longo do fundamental e do ensino médio, que influenciaram em definitivo o seu gosto pela leitura. Por outro lado, há muito a ser feito nas adoções.

Ana Lima, editora-executiva da Galera Record.

Leituras da Bel – A máxima “o brasileiro não gosta de ler” ainda se sustenta?
Ana Lima – Todo mundo gosta de ler. Quem não gosta é porque ainda não leu a coisa certa.
Mas num país onde apenas recentemente se conseguiu reduzir a pobreza em 75%, ler é considerado luxo. Ler é coisa de rico, de intelectual. Temos que vencer a máxima “o brasileiro não gosta de ler” facilitando o que for possível para que esse brasileiro leia. Entre os mais jovens, eu vejo um interesse crescente — as Bienais são dominadas por eles — mas é inegável que o consumo está retraído. Era o momento de estimular as bibliotecas; não só comprando livros para suas prateleiras com novidades, o que também não está acontecendo, mas ensinando como frequentar e valorizar aquele espaço. O PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola) está abandonado há anos; eu tinha críticas ao modelo, mas ele não existir é muito pior.

Leituras da Bel – Pensando nesses dez anos de atuação, quais foram os saldos alcançados? Quais projetos a Galera ainda quer desenvolver?
Ana Lima – O principal foi ter formado tantos leitores. No processo dessa formação, vimos amizades interestaduais e intermunicipais nascerem, e amores, e famílias. Pessoas que se encontraram porque gostam de ler. Cada livro que muda a vida de alguém é uma vitória. Arrancou um sorriso, um suspiro, fez a pessoa se aceitar, se amar, amar o outro… Cada um deles importa. Tivemos muitos best-sellers também, que ajudaram o selo a continuar tendo um perfil, um propósito. Fomos os primeiros a apostar em LGBT para jovens e na publicação dos livros tie-in com videogames, tanto no YA (Assassins Creed) quanto no infanto-juvenil (Minecraft) e pretendo continuar sempre abrindo espaço para o diferente. O pioneirismo é uma marca da Galera e não deixaremos isso para trás. Sobre projetos, já estamos investindo mais em literatura nacional e essa é uma tendência do selo. A não ficção foi estrela fora do Brasil no jovem por um tempo, e estamos trabalhando em projetos assim, nos quais aposto muito.

Leituras da Bel – Uma pergunta que os leitores jovens do blog costumam fazer: como é feito o trabalho de escolha dos livros que serão publicados?
Ana Lima – Temos scouts em alguns países (uma espécie de olheiro), filtrando as novidades e tendências, e recebemos livros de todo o mundo. Não tem uma fórmula exata para a escolha. Como eu já disse, a história tem que ser boa, precisa envolver, despertar a curiosidade ou o encantamento do leitor. Eu procuro ler com os olhos de um adolescente ou de uma criança. E claro que o selo também tem um perfil e não podemos ignorar o potencial comercial de cada título. Antes da escolha, há muitas vezes um longo processo: além de mim, pareceristas, um conselho interno, e por aí vai.

 

About the Author

Isabel Costa

Inquieta, porém calma. Isabel Costa, a Bel, é essa pessoa que consegue deixar o ar ao redor pleno de uma segurança incomum, mesmo com tudo desmoronando, mesmo que dentro dela o quebra-cabeças e as planilhas nunca estejam se encaixando no que deveria estar. É repórter de cultura, formada em Letras pela UFC e possui especialização em Literatura e Semiótica pela Uece. Formadora de Língua Portuguesa da Secretaria da Educação, Cultura, Desporto e Juventude de Cascavel, Ceará.

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