Por Lilian Martins*

Hilda Hilst (1930-2004), durante muito tempo, era conhecida – unicamente – por ser uma escritora reclusa, hermética e, nas últimas décadas, pornográfica. Hoje, mais de uma década após sua morte, Hilda Hilst é celebrada e revisitada em sua bibliografia sendo, notadamente, reconhecida como uma das vozes mais importantes da língua portuguesa do século XX. De um humor cáustico e uma inteligência aguçada, era famosa entre os intelectuais de sua época como uma mulher de beleza e mente fascinantes, capaz de arrancar versos e suspiros de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), no alto de seus mais de 50 anos, e surpreender ao conversar desde Wittgenstein às teorias sobre imortalidade da alma.

Zeca e Hilda (Foto: reprodução)

Era a autora também adepta da experiência com a transcomunicação instrumental, tema que lhe rendeu o filme de Gabriela Greeb: “Hilda Hilst Pede Contato” (2018) em que narra o passatempo da escritora com o seu gravador em busca de captar vozes do além-túmulo. Neste ano, a autora paulista foi a homenageada da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).

Mas o que poucos sabem é da sua relação com a música. Uma das histórias mais surpreendentes foi quando, em 1997, o músico, compositor e, hoje também, cronista Zeca Baleiro (1966) lançava o seu primeiro disco: “Por Onde Andará Stephen Fry?” e resolveu enviar um exemplar autografado para a própria Hilda Hilst que, à época, não o conhecia. Para sua surpresa, Hilda não só acolheu o presente como ligou para o músico e lhe propôs uma parceria para um projeto musical!

Em seguida, Hilda Hilst enviou ao Zeca Baleiro um disquete (anos noventa, gente!) com alguns de seus poemas e foi lá que Baleiro descobriu o livro: “Júbilo Memória, Noviciado da Paixão” (1974). O cantor, então, escolheu apenas um capítulo para musicar, transformando os dez poemas selecionados em cada uma das dez faixas do álbum. Assim, reuniu o violonista Swami Júnior nos arranjos de base e contou com a interpretação de dez cantoras nacionais: Rita Ribeiro; Verônica Sabino; Maria Bethânia; Jussara Silveira; Ângela Ro Ro; Ná Ozzetti; Zélia Duncan; Olívia Byington; Mônica Salmaso e Ângela Maria.

Hilda Hilst

Após dois anos de trabalho, nasceu o disco: Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé – De Ariana para Dionísio (2006). A fim de encontrar uma sonoridade que fosse fiel ao trabalho harmonioso dos poemas de Hilda Hilst, o músico optou por instrumentos como harpa, oboé e fagote dando, com isso, um tom intimista e ao mesmo tempo sensual aos versos de amor perdido, como em:

Se todas as tuas noites fossem minhas
Eu te daria, Dionísio, a cada dia
Uma pequena caixa de palavras
Coisa que me foi dada, sigilosa
E com a dádiva nas mãos tu poderias
Compor incendiado a tua canção
E fazer de mim mesma, melodia.
Se todos os teus dias fossem meus
Eu te daria, Dionísio, a cada noite
O meu tempo lunar, transfigurado e rubro
E agudo se faria o gozo teu

(Hilda Hilst, poema X)

Ouça, agora, este mesmo poema na interpretação inconfundível de Ângela Maria:

Para ouvir o disco na íntegra, é só clicar aqui!

Hilda Hilst ainda teve anteriormente musicados seus poemas por Adoniran Barbosa (1910-1982) e Gilberto Mendes (1922-2016) e inspirou seu primo José Antônio de Almeida Prado (1943-2010) para três importantes composições.

Ouça: “Quanto te achei”, poema de Hilda Hilst, musicado por Adoniran Barbosa e interpretado por Elza Laranjeira:

Ouça: “A minha voz é nobre”, canção para soprano e piano de José A. de Almeida Prado, inspirado nos poemas de Hilda Hilst.

https://www.youtube.com/watch?v=iWtFqUNDb14

Seja na literatura, na música, no teatro ou no cinema, Hilda Hilst segue como uma das escritoras brasileiras mais intrigantes da nossa literatura que merecerá sempre a nossa atenção e um lugar especial em nossa estante!

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*Lílian Martins é jornalista, tradutora, professora, pesquisadora e militante em Literatura Cearense. Mestre em Literatura Comparada pela UFC com a dissertação: “Com saudades do verde marinho: O Ceará como território de pertencimento e infância em Ana Miranda”, vencedora do Prêmio Bolsa de Fomento à Literatura da Fundação Biblioteca Nacional e Ministério da Cultura (2015) e do Edital de Incentivo às Artes da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) em 2016. É uma apaixonada por rádio, sebos, pelos filmes do Fellini, os poemas de Pablo Neruda e outras velharias…

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Colaboradores do Blog Leituras da Bel. Grupo formado por professores, escritores, poetas e estudiosos da literatura.

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