A manchete da Folha de S. Paulo de hoje [31/5/2009] é “3° mandato de Lula divide o país”, com pesquisa do Datafolha revelando que 47% da população apoia a aprovação de uma emenda constitucional para dar ao presidente Lula a possibilidade de disputar mais uma eleição – sendo que 49% dos pesquisados manifestam-se contra. Veja aqui [para assinantes].

A pesquisa mostra que, em 2007, a ideia era rejeitada por 63% dos entrevistados. O aumento da aceitação de mais uma candidatura aumenta à medida em que cresce a popularidade do presidente, admite o diretor do Datafolha, Mauro Paulino.

Aproveitando-se da pesquisa e, no estilo rombudo que o jornal vem, inexplicavelmente, adotando, o editoral, na mesma edição, usa as seguintes palavras para rechaçar a hipótese de Lula entrar em uma nova disputa: “Fruto bizarro, ao que tudo indica, dos interesses bajulatórios do baixo clero governista, a proposta da ‘re-reeleição’ para o presidente petista não alcança, pelos dados da pesquisa, densidade suficiente par se impor”.  [Aqui, para assinantes.]

O estilo deixa-que-eu-chuto que o jornal paulista passou a usar, o impede de ver o óbvio: em apenas dois anos, a rejeição à “re-reeleição” caiu de 63% para 47%. E isso com o próprio Lula combatendo a ideia de maneira persistente, inclusive contra a oposição, uma das incentivadoras da proposta, pela frequência com que volta ao assunto. [Ou é estratégia para espantar fantasmas ou vontade oculta: ambos os casos mais propícios para a análise psicanalítica, e menos pela política.]

Parece óbvio a qualquer analista minimamente isento que, se Lula começasse a defender a proposta, em pouco tempo teria a maioria a favor de nova eleição. Mas não para a Folha, cujo editorial se impressiona com os dois pontos percentuais de diferença.

O editorial tem o arrogante, para não dizer autoritário, título de “Assunto encerrado”; no “olho” [destaque], o jornal escreve: “Esvaem-se os ensaios sobre o terceiro  mandato e, com eles, o risco de dividir o país em aventura danosa para o jogo democrático”.

1. Quem pode “encerrar” o assunto é o Congresso Nacional ou o STF [Supremo Tribunal Federal] e não a Folha de S. Paulo ou qualquer outro jornal.

2. Se os “ensaios” vão se “esvair” não depende da Folha, pois os que o fazem não estão subordinados ao jornal

3. Na reeleição de Fernando Henrique Cardoso, o jornal tinha posição diferente, tendo escrito editorial, também baseado em uma pesquisa do Datafolha, mostrando o apoio à tese da reeleição: “Uma eventual emenda de reeleição, ademais, evidentemente não muda a lei para manter um governante. Ela apenas permite que ele se recandidate. Entre a candidatura e a renovação do mandato estará sempre o democrático e inquestionável veredicto das urnas”.

O editorial, de 5/1/1996, apela para o “bom senso” para defender a proposta e tem o sugestivo título de”Reeleição popular”. Poderia ser republicado na íntegra se a Folha estivesse apoiando a tese da”re-reeleição”.

Comentário

1. Sou totalmente contra a possibilidade de Lula disputar uma terceira reeleição, isso seria deletério para o país e para a consolidação das instituições democráticas, que precisam de um mínimo de estabilidadepara funcionar. É a estabilidade que lhes dá a conhecer, reconhecimento e respeitabilidade. No entanto, a posição individual de um jornalista ou de um jornal, não pode levá-lo a negar aos leitores elementos para que eles possa formar seu próprio juízo.

2. Não estou entre aqueles que se regozijam com os recentes tropeços da Folha de S. Paulo, como no caso da “ditabranda” e na trapalhada da matéria sobre a ministra Dilma Roussef. Para mim, a Folha transformou-se em paradigma do jornalimo brasileiro, a partir do fim dadécada de 1970, quando teve um papel fundamental na redemocratização do país, dando voz à oposição e fazendo cobertura extensiva das manifestações pelas eleições diretas e contra o regime militar. Mas a Folha de S. Paulo não pode se esquecer que “um editor de jornal precisa ser reeleito todo dia”. Estou, portanto, entre aqueles que torcem para que o jornal retome seus dias de brilho.

Para ler, na íntegra, o editorial da Folha de 5/1/1996.

[Editorial da Folha de S. Paulo de 5/1/1996]

«Reeleição popular

O apoio de três em cada quatro brasileiros à possibilidade de reeleição para o próximo presidente e futuros governadores e prefeitos mostra que a população vê com bons olhos a chance de renovar os mandatos dos que venham a se mostrar bons governantes.

O apoio também majoritário à idéia de permitir que os mandatários atuais já possam candidatar-se à reeleição indica que não encontra maior respaldo a tese de que uma tal mudança da regra eleitoral seja um casuísmo político.

De fato, a pesquisa do Datafolha publicada ontem constata que 49% dos brasileiros apóiam a possibilidade de reeleição para o atual presidente da República. Ao passo que 40% são contrários a qualquer tipo de reeleição ou crêem que ela deveria ser permitida somente a partir do próximo presidente. No caso dos governadores e prefeitos, essas porcentagens são idênticas.

A reeleição-já conta com 50% de aprovação, contra 38% que não aprovam a tese. A opinião majoritária da população efetivamente encontra respaldo no bom senso. O argumento de que a reeleição ensejaria o uso eleitoral da máquina administrativa pelo mandatário-candidato parece enganador. Afinal, esquece ingenuamente que a “máquina” pode ser igualmente utilizada – como lamentavelmente ocorre amiúde – em prol do candidato de situação mesmo que não seja ele o mandatário.

Uma eventual emenda de reeleição, ademais, evidentemente não muda a lei para manter um governante. Ela apenas permite que ele se recandidate. Entre a candidatura e a renovação do mandato estará sempre o democrático e inquestionável veredicto das urnas.»