O Committee to Protect Journalists [CPJ, Comitê para a Proteção de Jornalistas], entidade com sede em Nova York, emitiu comunicado “exortando” as autoridades brasileiras sobre um processo judicial que corre contra o jornalista americano Joe Sharkey, sob a “frágeis” acusações de que ele teria “insultado” o Brasil com comentários em seu blog.

Joe Sharkey, para os que não se lembram, é o jornalista que estava no jato Legacy, que chocou-se com o avião de passageiros da Gol no dia 29 de setembro de 2006. Na queda do avião da Gol morreram os 154 passageiros; o jato – pilotado pelos americanos Joe Lepore e Jan Paladino – conseguiu pousar sem provocar nenhum dano aos seus ocupantes.

Sharkey é jornalista free lance e escreve sobre aviação para jornais e revistas dos Estados Unidos. Depois do acidente, ele passou a abordar o assunto em seu blog.

O processo a que ele é citado na Justiça brasileira foi iniciado por Rosane Gutjhar, viúva de uma das vítimas do acidente. O jornalista é acusado de ter descrito o Brasil como um país “arcaico” e ter considerado os brasileiros “idiotas”. Segundo o comunicado do CPJ, Rosane exige a retratação e pede uma indenização de R$ 500 mil.

O CPJ lembra em seu comunicado que o Brasil é um país em que é comum “empresários, políticos e funcionários públicos” se valerem de processos como forma de pressão econômica para constranger jornalistas a “suspender as suas críticas” e que a prática é tão comum que ficou conhecida como “indústria da indenização”.

Carlos Lauría, dirigente do CPJ, diz que o processo contra Joe Sharkey é “improcedente”, pois é baseado em comentário “indevidamente atribuído ao repórter”.

À análise

1. É fato que, no Brasil, muitas vezes tenta-se usar a Justiça – como foi o caso de Igreja Universal – para constranger ou mesmo perseguir jornalistas.

2. Mas é preciso fazer uma ressalva: é direito inalienável de qualquer pessoa recorrer a Justiça quando se sente injustiçada pela imprensa.

3. No Brasil, a lei permite que, mesmo quando o comentário não é de responsabilidade do jornal ou do dono de determinado blog, que ele responda solidariamente pelo que ali está escrito.

4. E o mais importante: o jornalista Joe Sharky neste caso, não é apenas um repórter cobrindo um caso. Ele é parte diretamente interessada no assunto. Estava dentro do jato que colidiu com o avião da Gol, é amigo dos pilotos do Legacy. E, de acordo com o advogado de Rosane Gutjhar, o jornalista está envolvido em uma campanha para impedir a volta dos pilotos americanos ao Brasil, onde respondem a processo devido ao acidente.

Do CPJ

Escrevi para Carlos Lauría, a quem conheço, sobre este post em meu blog. Lauría é coordenador sênior do CPJ para as Américas. Ele respondeu-me o que se segue

«Estimado Plínio,

A respeito de Sharkey, é claro que respeito a sua opinião. Porém, me permito discordar a respeito. O CPJ não defende a Sharkey e sim o seu direito de expressar a sua opinião sobre as investigações das autoridades brasileiras. Por mais que Sharkey seja amigo dos pilotos, está em seu pleno direito ao expressar-se.

No entender do CPJ, o juízo está baseado em que Sharkey assegura de que as afirmações [de que o Brasil é um país “arcaico” e que os brasileiros são “idiotas] foram equivocadamente atribuídas a ele.

Sharkey tendo sido um crítico das investigações [brasileiras] e está em seu direito de sê-lo. Essa é a nossa decisão sobre o caso [de reconhecer o direito de o repórter ser crítico às auytoridades brasileiras].»

Leia a seguir uma resposta ao post que recebi do sr. Richard Pedicini, em 12/11/2010.

Do sr. Richard Pedicini, em 12/11/2010, recebi o e-mail abaixo, que reproduzo na íntegra, com uma observação minha ao fim do texto.

Prezado Plínio,

Em 30/09/2009, o senhor escrevu sobre o processo que uma víuva de Vôo 1907 abriu contra Joe Sharkey, http://blog.opovo.com.br/pliniobortolotti/acidente-com-o-legacy-cpj-emite-nota-defendendo-jornalista-americano-e-criticando-justica-brasileira/

Este processo contra Joe Sharkey foi sempre um farto absurdo, um tentative de utilizar a dificuldade de se defender de uma distância para impor uma “cala-se”.

Felizmente, o caso já foi encerrado, conforme o Knight Center for Journalism in the Americas, como citado abaixo.

A imprensa brasileira geralmente segue a linha de que “Fulano é acusado” é notícia, mas “Fulano é inocente” não é notícia. Porém, sendo que o senhor já se deu o trabalho de escrever para o CPJ em 2009, talvez gostaria de notar o fim deste tentativa contra a liberdade de expressão.

Há comentário de Joe Sharkey sobre o encerramento do caso, no seu blog, aqui: http://joesharkeyat.blogspot.com/2010/11/sharkey-wins-brazil-case.html

Além de somente noticiar acusações, a imprensa brasileira adora disse-que-disse. Para mim, prefiro fator sobre versões. Detalhes sobre a ação – a petição inicial, e links para todos os papeis que, impressos da Internet, foram juntados como “provas”, estão no meu blog: http://www.calunia.com.br/p/blog-page.html

O processo é um absurdo e sempre foi. A “Associação de Vìtimas” representa as famílias de poucas vítimas – quando foram ao CPI da Câmera, chegou junto um petição das familias de mais de 100 vítimas, dizendo que “este associação não nos representa”.

Seria tudo bem, si disseram a verdade. Mas mentem a torta e a direta. Brandam um “parcer técnica” do qual não dão cópias. Consegui uma cópia, compartilhei com quem entende de controle aérea, e ouvi o que já imaginava: é fajuta.

Bem. Deu espaço para a mentira, deu espaço para a acusação. Que tal um pouco para a verdade?

Abraços,

Richard Pedicini

…….

Minha resposta:

Caro sr. Richard Pedicini,

Vou reproduzir o seu e-mail em meu blog, no post que fiz sobre o assunto [como já fiz acima]. No entanto, gostaria de lhe dizer que não “dei espaço para a mentira” – como o sr. afirma – em seu texto – não é meu hábito. O que fiz foi reproduzir um fato, um processo movida por uma brasileira contra o sr. Joe Sharkey.

Recorrer à Justiça é um direito inalienável de todo cidadão, pelo menos no Brasil. Ganhar ou perder a causa dependerá do julgamento do juiz ou dos juízes que analisarem o processo. É assim que funciona.

Com atenção,
Plínio Bortolotti
Jornalista
O POVO – Fortaleza, Ceará