Caldeirão, igreja

Mina com uma pequena barragem feita pelo beatro José Lourenço: não falta água no Caldeirão

Mina com uma pequena barragem feita pelo beatro José Lourenço: não falta água no Caldeirão

Preparando-me para voltar, recebo um e-mail de Manoel Severo, editor do blog Cariri Cangaço, o mesmo nome de um evento que ele realizou no Crato, ano passado e que se tornará anual, com mais uma edição este ano. Severo é um estudioso do cangaço; eu o conheci virtualmente quando ele me escreveu para comentar alguns posts que fiz reproduzindo histórias de Lampião, contadas por Leonardo Mota.

Vendo que eu estava viajando pelo interior e que chegaria a Juazeiro do Norte, convidou-me para visitar Crato, a Princesa do Cariri, o “Crato de açúcar” ou o “Cratim de açúcar”, como os habitantes chamam carinhosamente a cidade. Fui recebido por ele e pela mulher dele, Danielle Esmeraldo [secretarária de Cultura do Crato], uma acolhida como se já fôssemos amigos de muito tempo.

Eles me levaram até o Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, cerca de 30 km de Crato, 12 km de chão batido. Foi nessa localidade que o beato José Lourenço, protegido de Padre Cícero, formou uma comunidade de cerca de duas mil pessoas, vivendo um socialismo primitivo, com fundamentos religiosos. O Caldeirão era praticamente autossuficiente, tendo até mesmo engenho de açúcar.

O beato

A saga do beato José Lourenço começa nos princípios do século XX, vindo da Paraíba para Juazeiro, logo torna-se um homem do círculo mais próximo de Padre Cícero. Este arrenda terras na Baixa d´Antas, no Crato, e manda o beato cuidar dos romeiros que Cícero lhe enviava. O lugar prospera e começa a incomodar a elite que se queixava que os sertanejos não mais queriam trabalhar, atraídos pelo beato, como me conta Severo. [Não parece algumas queixas contra o Bolsa Família?]

Os proprietários da terra pedem-na de volta. Padre Cícero destina então algumas terras dos Salesianos, ordem a que pertencia – o Caldeirão, também no Crato. E aí que acontece o espisódio do boi Mansinho, que os fiéis acreditavam milagroso [e que foi morto a mando de Floro Bartolomeu].

Destruição

Depois da morte do Padre Cícero, em 1934, o beato José Lourenço perde o seu protetor; aumenta a pressão contra a comunidade, que é invadida e destruída em 1937. Os sertanejos remeçam tudo no meio da mata o Exército e a Polícia do Ceará fazem nova investida, liquidando a experiência coletiva. Oficialmente, admite-se que foram mortas 400 pessoas, supõe-se que as vítimas foram enterradas em uma cova coletiva, nunca encontrada.

O que resta hoje no Caldeirão é uma capela e as ruínas da casa do próprio beato, que fica na entrada da vila. Caldeirão é o Canudos do Ceará; a diferença é que o beato José Lourenço não permitiu a violência e o revide da parte de seus seguidores.

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