Meu artigo semanal publicado na edição de hoje (16/12/2010) do O POVO.
Segurança pública e corregedoria autônoma
Plínio Bortolotti
Um dos momentos que mais mexeram com o governador Cid Gomes, na entrevista à rádio O POVO/CBN (projeto Debates Especiais Grandes Nomes), foi o questionamento sobre os problemas da segurança pública.
Depois de listar o que vem fazendo no setor – antecipando-se a possíveis críticas – ele deu uma informação inédita: disse que estuda a criação de uma corregedoria completamente desvinculada das polícias, que atuaria como uma secretaria, sob seu comando direto. Para implementá-la, Cid disse que consultaria o Ministério da Justiça para verificar se haveria algum obstáculo legal.
Consultado pelo O POVO (edição de 10/12), o Ministério da Justiça emitiu nota dizendo que o estado do Ceará é “autônomo para promover esta mudança na sua Secretaria de Segurança”. Portanto, a medida depende apenas do governador – e seria muito positivo ver a experiência na prática
Entre os grandes problemas da segurança pública, um deles é um certo segmento criminoso das polícias, que sabota qualquer medida mais efetiva de combate à violência e ao crime. Rechaçam até mesmo medidas administrativas para ordenar o setor, pois é nesse elemento de anarquia que viceja a “banda podre”, como a denomina Luiz Eduardo Soares (autor dos livros “Elite da tropa” e “Elite da tropa 2”).
O sociólogo Luiz Eduardo, um dos maiores estudiosos do assunto no país, disse (também em entrevista para o Grandes Nomes) que uma corregedoria autônoma seria um modelo “inspirador para o Brasil”. Para ele, é impossível melhorar as polícias e, por conseqüência a segurança pública, sem um duro enfrentamento com a “banda podre” da corporação.
Obviamente, o governador terá de encarar uma batalha ingente contra o corporativismo policial (o bem e o mal intencionado), pois será um ataque ao coração do problema.
Para isso teriam de atentar também alguns juízes, evitando conceder, com tanta facilidade, liminares mandando reincorporar policiais expulsos por má conduta.
Bom texto, Plínio ! Realmente é muito importante, para que seja viável termos um serviço público de segurança que efetivamente funcione a contento, a existência de um órgão de corregedoria independente, que rompa com o corporativismo que tradicionalmente impera no âmbito no âmbito desses órgãos, bem como a existência de instâncias de controle externo, com ampla participação da sociedade civil, que tenham condições de funcionamento.
Com certeza, em todos os segmentos da sociedade existem bons e maus profissionais. Ocorre que, no âmbito do serviço público, a bem dos princípios da moralidade e da eficiência (dentre outros), não se pode admitir a existência de maus profissionais, viciados em desvios de conduta e práticas delituosas, tais como corrupção, tráfico etc. Ainda mais no âmbito dos órgão da Justiça e/ou da Segurança Pública. Nesse contexto, os bons profissionais, cujo exercício de sua regular atividade, acabam sendo prejudicados pela má fama que os maus profissionais lançam sobre as instituições.
Por isso é importante incentivar e valorizar, constantemente, os bons servidores e punir, com o rigor necessário e de maneira o quanto mais célere, os maus servidores.
A propósito da discussão do tema “Segurança Pública”, não pude acompanhar a entrevista do Luiz Eduardo Soares. Como posso ter acesso ao conteúdo da mesma ?
Caro Arnaldo,
Quanto à entrevista, creio que seria possível pedir uma cópia à rádio O POVO. Se tiver dificuldade, pode falar comigo.
Agradeço,
Plínio
Que tal conseguir da Rádio disponibilizar o áudio da referida entrevista na internet ?
Caro Arnaldo,
Vou escrever agora para para a editora da rádio O POVO/CBN dando a sugestão.
Agradeço,
Plínio
Caro Plínio,
Permita-me fazer um contra-ponto ao seu artigo. Cumpre, de início, dizer que todas as instituições públicas devem estar submetidas a um controle social em função da natureza dos serviços que prestam à sociedade. De igual modo, é indispensável que estas instituições disponham nas suas estruturas de um órgão de defesa interna para excluir de seus quadros os maus profissionais que, por desvios de conduta, venham a comprometer os bons servidores e suas próprias imagens. Assim é que, o Ministério Público e a Magistratura e a Defensoria Pública têm na suas respectivas organizações Conselhos para apurar e punir seus membros. Há de se perguntar: por que somente a Polícia, instituição que tem assento na CF e na CE não pode dispor de sua Corregedoria? O corporativismo tão alegado não contaminha, também, as demais instituições? Veja, que as Corregedorias de Polícia possuem a atribuição de, tão somente, apurar infrações disciplinares de menor gravidade (sindicâncias) já que, se a infração for suscetível de aplicação de pena mais severa (inquérito administrativo-disciplinar), a competência para a apuração da ocorrência é da Procuradoria Geral do Estado. Creio que o modelo atual (Corrgedorias fora das polícias mas dentro da segurança pública) já se constitui numa discriminação. O preconceito contra a instituição policial, por conta de sua imagem perante a opinião público, é o fator determinante para que tais modificações aconteçam ou sejam sugeridas. Vale dizer, os governantes se saem muito bem “na fotografia”mas a instituição fica “no ralo”.
Caro Irapuan,
Veja, o próprio CNJ (Conselho Nacional de Justiça) tem integrantes que não fazem parte da magistratura (veja a composição aqui), incluindo pessoas indicadas pela OAB (um deles, Jorge Hélio, do Ceará) e cidadãos de “notável saber jurídico”.
O Reino Unido, que tem uma das polícias menos violentas do mundo – apesar do terrível caso do brasileiro Jean Charles – a maioria de seus integrantes anda apenas de um cassetete (apenas as unidades especiais tem autorização para portar armas).
Pois bem, quem fiscaliza a polícia britânica é a Comissão Independente de Queixas Contra a Polícia (IPCC, na sua sigla em inglês), que, como seu próprio nome diz, não tem nenhuma vinculação com as polícias.
A IPCC tem de investigar todas as queixas que lhe chegam, inclusive de racismo. E tem de atuar, mesmo se não for acionada, toda as vezes que um policial dispara um tiro, ainda que seja para o alto. O número de morte de suspeitos pela Polícia na Inglaterra não passa de três ao ano.
Algumas das informações tirei do vídeo “Quem fiscaliza a polícia?”, do programa “Sem Fronteiras”, da GloboNews. A parte que trata da IPCC começa aos 13min39s. O próprio programa trata das falhas da IPCC, mas é de se reconhecer que é melhor do que uma corregedoria vinculada à hierarquia policial.
Talvez v. diga que o Brasil não é a Inglaterra, de fato não é. Mas precisamos nos mirar nos bons exemplos.
Agradeço o seu comentário,
Plínio
Prezado Plínio,
O CNJ não é uma referência para o exemplo que dei porquanto se trata de um controle da sociedade sobre o funcionamento da magistartura, do mesmo modo que o Conselho Nacional do MP em relação ao Parquet. Estes Colegiados cuidam de fiscalizar a atuação de tais órgãos. Daí serem constituidos por deiversos segmentos sociais, ainda que presididos por membros das instituições fiscalizadas. Nada, por conseguinte, contra a existência de um Conselho que viesse a fiscalizar as ações policiais, o qual poderia ser integrado por representantes da OAB, MP, Magistratura, Defensoria além de profissionais de seus quadros. A observação que fiz foi quanto a vedação da existência de uma Corregedoria na Polícia para a apuração de faltas leves resultante do desvio de conduta dos policiais. O Ministério Público dispõe de um Conselho Superior, o Poder Judiciário do Conselho da Magistratura, a Defensoria, idem, idem… Porque só não a Instituição Policial? Quanto aos exemplos por você citados, tenho restrições a modelos importados que não guardam correspondência com os valores culturais de nosso país.
Caro Irapuan,
O maior “valor cultural” a ser preservado é a tranquilidade dos cidadãos de que a sua polícia não seja nem criminosa e nem corrupta. Creio que os bons modelos estão aí a nos servir de exemplo. A democracia – do modo como temos no Brasil, por exemplo -, é um modelo “importado” de filósofos europeus e das Revoluções Americana e Francesa.
Abraço,
Plínio
Plínio,
Sempre é bom e enriquecedor trocar idéias com pessoas inteligentes e bem informadas como você. Recolhí de suas rápidas considerações alguns dados que me levam a uma reflexão. Na verdade, minhas colocações, não tinham a pretensão de de inadmitir novos modelos, senão registrar um tratamento discriminatório no trato da matéria com a Instituição policial num aspecto eminente acessório do tema. Que venham modelos que, ajustados a nossa realidade, permitam a prestação de um melhor servido à sociedade. Só para clarear minha visão sobre o que nominei como “valores culturais”. A construção da organização policial brasileira teve como referência o modelo greco-romano (edís-administração das cidades, censores-fiscalização da fortuna dos cidadãos, venda de escravos, etc.). De lá migrou para o mundo ibérico chegando ao Brasil com a família real através das legislaçoes, manoelinas, filipinas e manoelinas. Por isso, resisto aos modelos anglo-saxônicos por serem modelos que não guardam qualquer identidade como o modo de vida do nosso povo. Veja que o modelo trazido, ao tempo do governo Tasso Jereissati pelo Comissário de polícia William Bratton, nada trouxe de novidade, por isso que nenhum proveito dele foi retirado.
Comn admiração,
Irapuan.