Ouvindo tempo atrás o debochado programa Pânico (no rádio), discutia-se – naquela balbúrdia característica – se determinada evento mostrado em uma emissora de TV era “verdade” ou não. O apresentador do programa Emílio Surita, interveio para decretar: “Nada do que aparece na televisão é verdade”, e ele ainda ampliou a ironia(?): “Nem no nosso programa”. (Cito de memória)
TV muda a cena
Bom, quem já fez algum tipo de cobertura jornalística sabe mais ou menos como a banda toca: o jornalista pede para o entrevistado repetir uma fala; sugere que ele refaça determinada pose, se o fotógrafo chegou atrasado, etc. Até aí é algo que se pode considerar mais ou menos normal.
A própria presença de jornalistas – principalmente a TV – já é suficiente para “contaminar” o local do evento. Se é um ato – e os manifestantes estão jururus – eles logo se animam a gritar palavras de ordem (para as câmeras); se é um grupo torcedores de futebol, eles começar a agitar freneticamente as suas bandeiras – e por aí vai. Muitas vezes o repórter pede para que se grite o nome do “ídolo” do momento ou faz alguma outra “sugestão”, de acordo com o seu gosto ou suas idiossincrasias.
Avançando o sinal
É assim que, em muitos casos – e cada vez mais – avança-se o sinal. Alguns repórteres assemelham-se a animadores de auditório, induzindo ao riso, ao choro ou ao desespero: tudo para colher uma “boa imagem”.
É de dar engulhos o hábito que se adquiriu de provocar o choro de entrevistados. O “jornalista” ficar repisando algo doloroso, fazendo silêncios, o microfone em riste, até escorrer uma lágrima ou um choro aberto. Para o “repórter” deve ser uma espécie de gozo. (E, creio esses devem ser considerados os “bons” repórteres pelo critério de algumas emissoras.)
Animando a criançada
Creio que foi ontem mesmo (19/4/2011) vi uma matéria na TV em que se falava do uso de legumes produzidos pela Embrapa na merenda escolar. No fim da matéria, as crianças – creio que em torno de seis, sete anos – nessas mesas típicas de refeitório escolar, e a animadora, quer dizer, a repórter, lança o repto: “Quem gostou da merenda levanta a mão”. Meio a contragosto algumas delas levantaram os bracinhos. E animad…, digo, a repórter: “Está aprovado”. Então tá.
Quem fez um bom resumo desses expedientes, reunidos na cobertura da tragédia da Escola Municipal Tasso da Silveira, no Rio, foi o jornalista, Maurício Stycer, que esteve no local dos acontecimentos.
A leitura do relato de Stycer leva a se pensar na assertiva de Emílio Surita. Tudo o que a televisão mostra é mentira? Ou seria uma espécie de hiperverdade?
Veja o post de Stycer
Em busca da notícia (e de cenas dramáticas) em Realengo
Maurício Stycer (Uol)
Escola Municipal Tasso da Silveira. Terça-feira, 19 de abril, 7h50 da manhã. Próximo ao portão, o repórter de uma emissora de televisão entrevista um aluno que volta ao colégio pela primeira vez desde o massacre de 7 de abril. Acompanhado da mãe, o garoto deve ter uns 10 anos e muito pouco a dizer. Ao final da entrevista, o jornalista os orienta a recuar 20 metros, para o câmera poder filmá-los chegando. Ele explica: “Vem de lá, aí quando estiver perto do portão você se despede e dá um beijinho nele”. A mãe faz exatamente o que ele pediu.
Enviado pelo UOL Notícias, passei dois dias diante do portão da Tasso da Silveira. Na segunda-feira, houve o retorno às aulas das crianças no 9º ano. Na terça, de todas as demais. Fiquei impressionado com a tensão e o desespero dos repórteres e câmeras de televisão. Além do empurra-empurra para conseguir imagens banais, presenciei inúmeras situações como a descrita acima, em que os colegas agem como “diretores” de cena, orientando os entrevistados, com o objetivo de conseguir imagens mais dramáticas e falas mais fortes.
Um dos momentos mais tristes foi ouvir Renata dos Reis Rocha, mãe das gêmeas Bianca e Brenda. A primeira morreu e a segunda ficou ferida no ataque. Revoltada, Renata decidiu pedir a transferência da menina sobrevivente da Tasso da Silveira. O seu desabafo aos repórteres foi muito forte. “Eu não podia nem levar merenda pra minha filha lá em cima. E um estranho pode?”
Uma repórter de TV, porém, perdeu o início da entrevista de Renata e não registrou o momento em que ela revelou ter decidido tirar a filha da escola. Aflita, na frente de todos os colegas, que continuavam conversando com a mãe, a repórter enfiou o microfone na cara de Renata e implorou: “Fala isso pra mim: ‘Ela não tem condições de estudar aqui’. Entendeu? Fala pra mim”.
Os repórteres de TV sofrem pressão maior quando são convocados a entrar ao vivo, em programas de suas emissoras. Segurando o diretor da escola, Luis Marduk, a repórter de uma emissora aguardava o momento para entrevistá-lo ao vivo, mas o sinal não chegava. “Um minuto, um minuto”, dizia ela. Todos foram ficando impacientes, até que o diretor reclamou. “Queria ter relógio de repórter. É um inferno”. Ao que a jornalista responsável pela situação respondeu: “Mas eu esperei o senhor 25 minutos”.
Nem todo mundo à porta da escola é pai ou parente de aluno. A concentração de jornalistas atrai muitos curiosos. Que também são entrevistados e dão palpites sobre o massacre, sobre segurança nas escolas, sobre o que for. Ouvi uma senhora dando entrevista. A repórter tentou várias perguntas, sem conseguir tirar nada “forte”. Até que mandou: “A senhora acha que o massacre prejudicou a imagem do bairro?”
A secretária de Educação, Claudia Costin, pediu aos jornalistas que não abordassem os alunos. O pedido, naturalmente, não foi acatado . Pior, vi uma repórter reclamando depois de entrevistar alunos. “Duas crianças que não falam absolutamente nada. Não rendeu nada”.
Na expectativa de ouvir frases de efeito, dramáticas, ela não atinou para a graça do diálogo que teve com um menino. “Como foi esta volta às aulas? Foi difícil rever a escola? E encontrar os amigos? Como foi?”, ela questionou. E o garoto, em uma palavra, disse tudo: “Maneiro”.
Olá, Plínio:
Recebi o seu e-mail através da ABRAJI, da qual também sou associado, e vim ler aqui o seu post, que está muito bom. Também penso como você e o Maurício Stycer — aliás, tenho consciência disso há pelo menos quatro anos. Vou reproduzir abaixo, um trecho de um post que publiquei em 27/12/2006, no meu blog Plano Geral, protestando contra o que chamei de “jornalismo lacrimejante”. De la ára cá, as coisas só pioraram.
Abraços
Marcos Rocha
20/4 – 18:27
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Trecho de post publicado no blog
http://www.planogeral-marcosrocha.blogspot.com
em 27/12/2006:
“…Mas o meu assunto de hoje não é propriamente o EnJôo Soares. Entrei neste tema e acabei permanecendo mais do que deveria porque quero fazer um comentário sobre o “Jornalismo Lacrimejante” que está tomando conta dos nossos telejornais. Foi assistindo a uma entrevista no programa dele, no dia 4 de dezembro, depois de ficar uns 6 anos sem ver aquela cara exageradamente gorda, que vi o excelente repórter da Rede Globo, Valmir Salaro, contar um episódio que me chamou a atenção. Falando sobre a sua carreira de mais de 30 anos de repórter policial, em jornais e na TV, Valmir Salaro relatou o caso de uma matéria que estava produzindo e durante a qual, para dar maior dramaticidade ao fato, ele e o cinegrafista forçaram a barra para que a (o) personagem chorasse e, só então, ligaram a câmera e começaram gravar a entrevista.
Ele relatou isso candidamente, como se fosse a coisa mais natural do mundo induzir um entrevistado a chorar, como se fosse uma regra geral a ser cumprida sempre que possível por repórteres em quaisquer circunstâncias. Fiquei boquiaberto com essa confissão que denota um tipo de jornalismo que me agride. A partir daí comecei a prestar mais atenção ao choro nos noticiários da TV — e estou realmente escandalizado com a quantidade de “jornalismo lacrimejante” que toma conta dos nossos telejornais. Parece que faz parte dos Manuais de Redação das nossas emissoras de TV: sempre que possível, traga uma imagem e a voz de alguém chorando, abrindo o bué! É o mais novo chavão e lugar-comum do nosso telejornalismo.
Sem contar os choros freqüentes do Lula e da Heloísa Helena (dessa, pelo menos, vamos ficar livres por uns bons tempos, quatro anos no mínimo!), comecei a anotar os choros que aparecem nas nossas quatro principais redes (Globo, Band, Record e RedeTV) todos os dias. São no mínimo duas matérias lacrimosas por dia em cada canal. É o que eu chamo de jornalismo apelativo. Alguém deve estar ensinando aos focas, nas escolas de jornalismo ou nos cursinhos que essas redes de TV promovem antes de contratar seus profissionais, que mostrar gente chorando torna as matérias mais “emocionantes”, mais “dramáticas” e que isso aumenta a audiência. E muitos dos velhos repórteres estão aplicando esta regra ridícula. E, como toda regra burra, passou a ser adotada sem maiores questionamentos e sem limites por parte dos jornalistas televisivos. E isso já está irritando. Eu, pelo menos, não estou agüentando mais!
E dá-lhe lágrimas! As enchentes inundaram uma rua? No início, no meio ou no final da matéria tem sempre uma dona de casa pobre, miserável ou da classe média baixa, derramando esguichos de lágrimas porque perdeu tudo. Até aí, poderíamos, com alguma boa fé e sentimento de dó, entender como pertinente ou aceitável tal choro. Estaria enquadrado no contexto, embora não deixe de ser apelativo e o óbvio — e o bom jornalismo nunca valoriza o óbvio, o lugar-comum. A Marta ganha o prêmio de melhor jogadora de futebol do mundo? O destaque da matéria são as lágrimas vertidas na hora de receber o troféu, lembrando-se “emocionada” da sua Alagoas querida. Excluindo-se os parentes das vítimas do vôo 1907, na crise da aviação e dos aeroportos, que já dura quase 90 dias, a quantidade de passageiros chorantes e lacrimejantes não foi brincadeirinha. Até controladores de vôo abriram o bué, coitadinhos, porque estavam sob pressão terrível das autoridades da Aeronáutica e ficaram aquartelados um ou dois dias, para que não continuassem a fazer a sua chantagem ilegal, equivalente a uma greve, sob a forma de operação-padrão. Poderia citar outros 20 exemplos de lágrimas derramadas no dia-a-dia dos nossos telejornais. Está enchendo o saco! Saturou!
Meus amigos, assim, não dá. Acho que vou criar, através deste blog, o Troféu Lágrimas de Crocodilo, para premiar a matéria jornalística mais chorosa e lacrimejante que tenha ido ao ar pela TV brasileira — dentro dos programas jornalísticos, porque, se for considerar toda a grade da programação e os de auditório, tais como os programas do Gugu, do Sílvio Santos, do Raul Gil e de outros menos votados, fica impossível de acompanhar. São cachoeiras de lágrimas. As inscrições já podem ser feitas. Se vocês puderem me dar alguma ajuda, indicando-me onde flagraram esse jornalismo lacrimejante, olhem o meu e-mail aí no perfil ao lado e me mandem uma mensagem. Ou podem deixar as suas dicas no “Comments” abaixo deste post. Obrigado antecipadamente pela ajuda. E até o próximo choro … e ao meu ranger de dentes!”
Postado por Marcos Rocha dia 27/12/2006 às 06:15:00 PM.