Meu artigo para a edição de hoje (21/5/2011) do O POVO.
Drogas
Plínio Bortolotti
O líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira (SP) defendeu a liberação do plantio de maconha para consumo, em debate sobre o tema. Opinião que deverá ganhar ares de escândalo, principalmente depois de a presidente Dilma Roussef ter prometido “combate sem tréguas” às drogas. Independentemente da opinião que se tenha, chegou a hora de o país ter uma conversa adulta sobre o assunto.
A defesa de maior liberalidade para a venda legal de drogas não divide a “direita” e a “esquerda”, como outros assuntos da esfera pública. Há defensores de ambas as posições nos dois lados da trincheira.
A revista britânica “The Economist”, espécie de bíblia do capitalismo liberal, já se manifestou favoravelmente à liberação de todas as drogas. Para a revista, o Estado não deve se meter na vida privada do cidadão, mesmo quando este quer se autoinfligir algum dano, como é o caso do consumo de drogas.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu declaração no mesmo sentido: “Acho que deveríamos incluir [na liberação] todas as drogas. Todas fazem mal. Mas a política de guerra às drogas não está funcionando”.
Registra-se que os Estados Unidos já tentaram a sua guerra contra a venda de bebidas alcoólicas, com a chamada Lei Seca (1920-1933), o que ajudou a fortalecer o fenômeno do gangsterismo no país.
Lembrando que álcool e cigarro são duas drogas altamente perniciosas – e legais.
Em alguns temas – o aborto é outro deles – seria interessante introduzir uma pitada a mais de razão no debate, ainda que eu saiba a dificuldade em afastar a emoção (religiosidade, etc.) de tais assuntos.
Confesso não ter ainda opinião claramente definida sobre a questão das drogas. Mas é um equívoco sufocar o debate com a satanização de quem defende a sua liberação ou daqueles que defendem a descriminalização do aborto.
No vídeo entrevista do programa Milênio, da Globonews, com o editor da revista “The Economist”, John Micklethwait. Há um pequeno trecho em que ele se refere à liberação das drogas, mas a entrevista é particularmente interessante para estudantes e profissionais do jornalismo. Na contramão da queda nas vendas que vêm sofrendo revistas e jornais americanos e europeus, a “Economist” vê crescer seu número de leitores: somente a edição impressa vende quatro milhões de exemplares em todo o mundo.
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O interesse coletivo, nos dias presentes, há de prevalecer sobre o interesse individual. É equivocada a tese segundo a qual o estado “não deve se meter na vida privada do cidadão”. A sociedade, assim penso, rejeita a “liberação” das drogas sob o falacioso argumento de que tudo o que é proibido desperta maior interesse. Cumpre ao Estado, antes de tudo, preservar ações que possam contribuir, de alguma forma, para o caos social como, no caso, a liberação do consumo de substâncias entorpecentes.
Plínio, mais quatro informações para lhe ajudar a se definir sobre a questão das drogas: (1) em relação a maconha, não é propriamente a legalização, mas a discriminalização. Hoje, alguém que seja pego com um pequeno baseado – um daqueles que nos era familiar nos velhos e bons tempos de lutas estudantis -, é considerado criminoso; (2) eu tenho um dossiê com pelo menos dez indicações terapeuticas da Cannabis. Algumas delas, altamente eficaz., como no caso do tratamento da falta de apetite entre aidéticos. Só para comparar – somente existe uma única indicação terapeutica para o tabaco – o tratamento do vicio do próprio tabaco. Lembra dos adesivos para tratamento dos fumantes? Por sinal, dado a baixíssima eficácia, praticamente não é mais utilizado; (3) na Holanda, onde a maconha é liberada – e eu provei uma de altíssima qualidade num café-cannabis de Amsterdã – o índice de usuário não chega a 5% da população de adultos. No Brasil, onde é criminalizada, o índice é superior a 10%. É aquela estória: “Tudo que é proibido é bom”; (4) finalmente, tem estudos da USP – clandestino, por sinal – demonstrando que a substituição de crack por maconha é a saída para a terivel epidemia que se alastra em todo mundo.
Meu caro Danúzio,
Não sei em que legislação você se fundamentou para afirmar que “alguém que seja pego com um pequeno baseado…é considerado criminoso”. Certamente não foi na brasileira onde até aquele que não é um usuário eventual – o viciado – é considerado um doente suscetível de tratamento e não um criminoso. Contrariamente ao que você também afirma, a “CANNABIS SATIVA L”, além de determinar, tal qual o tabaco, um condicionamento psíquico, desde que fumada com certa frequência, tem propriedades pré-cancerígenas segundo alguns estudos científicos. Some-se a isto o fato da maconha ser “a porta de entrada para outras drogas mais potentes”. As informações que tenho de Amsterdan são bem diferentes dos indicadores por você apresentados. Aliás, os países, mesmos sul-americanos, cujas legislaçoes permitiram o porte de pequenas quantidades da “erva” para consumo próprio do usuário não tiveram êxito com a experiência.
Em um país sério e organizado, a liberação do plantio, em pequena quantidade, isto é, que atenda exclusivamente ao consumo do “usuário-plantador” é uma ótima medida, uma vez que, pelo menos em tese, a figura do traficante tende a desaparecer. Porém, por se tratar de Brasil, o país do jeitinho, acredito que sejamos ainda um pouco imaturos para adotarmos esta medida.
Contudo, vejo com bons olhos esta iniciativa.
Sr. Irapuan Diniz Aguiar
De princípio, a maconha é uma droga. Ou seja, como toda droga – não só psicotrópica, mas também qualquer fármaco; inclusive, por exemplo: um analgésico comum do tipo Aspirina – ela também tem seus problemas. E sendo fumada, é presumível que tenha um poder cancerígeno sobre as vias aéreas. As questões que eu e muitos, e cada vez mais muitos, colocamos são: (1ª) algumas drogas muito mais perniciosas – como o alcool e o tabaco – são legais e até incentivado – via propaganda – o seu uso social. Enquanto isso, a maconha é criminalizada – sic. De fato – alguém que for pego com um simples baseado é tratado como criminoso e estigmatizado socialmente; (2ª) além disso, da maconha pode ser obtido muitos produtos terapêuticos. Como a legislação brasileira, repito: ainda criminaliza, então, por isso pesquisas e usos clínicos são proibidos, dai está sendo perdido um grande recurso médico. Recentemente li num Boletim da ANVISA uma carta de um cidadão que se identificou como advogado de renome em São Paulo e portador de AIDS, o qual pede socorro por que a única droga que lhe faz abrir o apetite é a maconha; (3º) quanto a Amsterdã, os dados estão ai para comprovar. De qualquer maneira, há um dado que indiretamente demonstra o quanto é exitosa maneira como as drogas, principalmente a maconha, é abordada pelo governo holandês. O sistema priisional da Holanda é, literalmente, carente de presos. Inclusive isso está sendo um problema para o governo que não sabe o que fazer com tantas vagas ociosas em seus presídios.
Prezado Danúzio,
Sua contribuição ao debate só o enriquece, seja pelas lições trazidas à discussão do tema, reveladoras que são do seu conhecimtno do assunto, seja porque nos remete a uma reflexão sobre a complexa matéria. Permita-me, no entanto, fazer um contra-ponto às suas colocações: 1º – a criminalização do usuário (fumante) eventual da maconha é, como você próprio afirmou, social mercê da estigmatização e não penal; 2º – alguns psiquiatras informam que, diferentemente do consumo do álcool, o da maconha provoca o que eles chamam de “tolerância inversa” ou seja, o alcóolatra, quando dependente, não tem necessidade de grandes quantidades para satisfazer o vício. Algumas “doses” são suficientes para “dar o grau” na terminologia por eles usada. A maconha, ao revés, leva o fumante ao uso de outras drogas cada vez mais potentes e danosas à saúde; 3º – Não há como comparar, do ponto de vista cultural, a Holanda com o Brasil. Aqui, 95% da população carcerária é constituida de analfabetos e semí-analfabetos. Lá a ociosidade do sistema prisional não decorre, evidentemente, do uso ou não de entorpecentes. De resto, concordar com você sobre a função terapeutica da “cannabis” que pode contribuir, e muito, para a cura ou a suavização de muitas doenças, inclusive as respiratórias. A pesquisa científica e a administração, todavia, há de ser feita por especialistas.
Sr. Irapuan Diniz de Aguiar
Eu avaliava que já tinha dado contribuições suficientes ao debate. Entretanto, em seu último post há uma informação que precisa ser esclarecida, que é a questão da Dependência no alcool e na maconha. Sobre isso deve-se partir de um pressuposto: a dependência a alguma droga qualquer sempre envolve dois fatores: Curva de Tolerância e Reações de Abstinência. O primeiro caso implica no fato do viciado ter necessidade cada vez maior de dose da droga; o segundo implica em fortes reaçoes psiquícas e somáticas quando falta a droga no organismo. Todos os estudos mostram que no caso da maconha não há nem Curva de Tolerância, nem Reações de Abstinência (isto é: com certeza não há reações de abstinência somáticas, quanto as psíquicas, se há, ela é de fraca intensidade). Já com o alcool há fortes reações de abstinência, tanto para o usuário crônico, quanto para quem sofre de um transtorno médico chamado de Embriaguês Patológica, pelo qual, mesmo com ingestão de pequenas quantidades de alcool, já há suficiência para “muitas confusões”. Inclusive a abstinência pode ser tão forte que se associa a quadros verdadeiramente mortais, como o Delirium Tremens. Quanto a Curva de Tolerância não é preciso dar dados científicos, basta se citar o dito popular: “Alcoolatra que bebe pra dormir, e acorda pra beber”; e ainda citar o triste exemplo de determinados alcoolatras que, por ter acabado toda bebida de sua casa, toma perfurme.
Danúzio,
Conforme você pode verificar da postagem que fiz eu simplesmente reproduzí informações recebidas de médicos dentre os quais o Dr. Silas Monguba e o Dr. Marcelo (psiquiatra) acerca da “tolerância inversa”. Como sou absolutamente jejuno na matéria, rendo-me aos seus sólidos e convincentes argumentos sobre este aspecto da abordagem. Sua formação acadêmica (médico com especialização na área?) lhe permitiu dar uma verdadeira aula sobre a matéria trazendo luzes a este humilde advogado. Ainda assim creio que os outros aspectos focalizados são suficientes para que me mantenha com a mesma opinião sobre a liberação da “cannabis”.