A Mel está de olho

Por sugestão (e empréstimo) da professora Sandra Helena, li o livro-manifesto Nada é sagrado – Tudo pode ser dito, tendo como subtítulo “Reflexões sobre a liberdade de expressão” (Parábola Editorial, 2004), de Raoul Vaneigem, filósofo belga.

Pelas provocações nele expressos poderia também ser chamado de “livro-panfleto”, pois o autor não deixa pedra sobre pedra, o que certamente deixará arrepiados os mais “politicamente corretos” ou mesmo os nem tanto.

Pode-se concordar ou ou discordar do autor, mas ninguém passará impune pela leitura: às vezes com raiva, por vezes pensando “é isso mesmo” e em outras, “o cara despirocou”.

O título é o resumo do que ele defenderá no livro

Nenhum tipo de restrição é aceitável para as ideias: nem mesmo às preconceituosas, antidemocráticas, racistas, sexistas, xenófobas, sanguinárias, revisionistas (por exemplo, para aqueles que dizem não ter havido o holocausto). “Nenhuma ideia é inadmissível, até mesmo a mais aberrante, até mesmo a mais odiosa”.

Isso não quer dizer que Vaneigem defenda essas ideias, pelo contrário, ele as combate com veemência. Mas diz que a manifestação do preconceito é resultado e não a causa do sistema ao qual estamos submetidos, baseado na mercantilização e no lucro, no “fetiche do dinheiro”.

Para ele, a melhor forma de combater essas ideias é deixá-las virem a lume, pois a proibição as torna atrativas e transforma em “mártires” os que são vítimas da censura. “Não há nem bom nem mau uso da liberdade de expressão […] a absoluta tolerância com todas as opiniões deve ter por fundamento a intolerância absoluta com todas as barbárie”.

Algumas frases

 “Mesmo entre os mais liberais há censuras, proibições às quais ninguém renuncia tranquilamente.”
 “A liberdade de expressão é hoje capaz de criar as condições que autorizam seu uso ilimitado.”
♦  “[Nada é sagrado] sacralizada, a criança é uma tirana; a mulher, um objeto; a vida, uma abstração desencarnada.”
♦  “A liberdade de expressão é um valor humano até mesmo em sua liberdade de dizer o desumano.”
♦  “O pior modo de condenar certas ideias é classificá-las como crime.”
♦  “O puritanismo sempre foi a escola do estupro.” [ao defender livre expressão para a pornografia] ♦  “Verdade alguma merece que alguém se ajoelhe perante ela.”

Comentário

O próprio autor defende algum tipo de restrição, “dependendo do contexto” (algo que certamente abre margem para uma boa dose de interpretações subjetivas). Por exemplo, “em uma situação em que a intimidação dispõe de meios para realizar a ameaça”. Seria o caso de um grupo armado convocando os seus partidários para assassinar os adversários. Vaneigem cita o caso da rádio ruandesa Mil Colinas (hutu) que convocou o massacre dos tutsis e hutus moderados, o que se enquadraria pelo “contexto”, como passível de censura.

Por vezes também me pareceu que Vaneigem se reportava a um estado idílico, no passado, no qual teria havia liberdade total de expressão, tempo que eu não consigo localizar.

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